8 de maio de 2024
Memória

UMA CAMA REDONDA DEMAIS PARA DOIS

Recepção do Hotel (1943) – Edward Hopper – Museu de Arte de Indianápolis


Antes do
Trivago e do Booking, reservas em hotéis eram tarefas  solicitadas a algum parente ou amigo que morasse na cidade destino.

Foi assim que fizeram dois colegas  médicos a caminho de  um estágio de reciclagem (não se falava em fellowship naquele tempo) na meca da Medicina, o Hospital das Clínicas.

Da USP.

Tudo certo.

Um paulistano com ares e sotaque de quatrocentão, costumava passar férias na província , onde era paparicado pelos esculápios caboclos.

Por questão de reciprocidade, seria o receptivo e cicerone na metrópole.

Ao servir de protoüber, já  no aeroporto,  não demostrou a mesma simpatia que irradiava no sorriso franco quando passeava de buggy em beiras de praia e outras terras de Poti.

Não deixava de transparecer  que estava perdendo alguma coisa.

Num domingo à noite, certamente, o show da vida.

Com pouca conversa, sem marcar nenhum encontro para depois, simplesmente terminou a corrida  na frente da estalagem.

Na calçada, malas e bagagens dividiam espaço com gente alegre.

O prédio decadente,  portaria revestida de veludo escarlate, irradiava suspeição.

Pouca burocracia, e a revelação por trás da porta dos aposentos.

Cama única.

Redonda.

Com espelho oxidado no teto.

Pernoite consumado depois do colchão de campanha  que a a mão molhada do porteiro providenciou com presteza.

Quase 40 anos depois,  continua a desconfiança  que o esmero na escolha do albergue foi para que os amigos mergulhassem no espírito da paulicéia.

Majestosamente desvairada em neon e nas luzes piscantes do Pink Motel.

 

Nighthawks, Falcões da Noite (1942) – Edward Hopper – Instituto de Arte de Chicago

 (Textículo publicado em 15/03/2019)

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