UMA CAMA REDONDA DEMAIS PARA DOIS
Antes do Trivago e do Booking, reservas em hotéis eram tarefas solicitadas a algum parente ou amigo que morasse na cidade destino.
Foi assim que fizeram dois colegas médicos a caminho de um estágio de reciclagem (não se falava em fellowship naquele tempo) na meca da Medicina, o Hospital das Clínicas.
Da USP.
Tudo certo.
Um paulistano com ares e sotaque de quatrocentão, costumava passar férias na província , onde era paparicado pelos esculápios caboclos.
Por questão de reciprocidade, seria o receptivo e cicerone na metrópole.
Ao servir de protoüber, já no aeroporto, não demostrou a mesma simpatia que irradiava no sorriso franco quando passeava de buggy em beiras de praia e outras terras de Poti.
Não deixava de transparecer que estava perdendo alguma coisa.
Num domingo à noite, certamente, o show da vida.
Com pouca conversa, sem marcar nenhum encontro para depois, simplesmente terminou a corrida na frente da estalagem.
Na calçada, malas e bagagens dividiam espaço com gente alegre.
O prédio decadente, portaria revestida de veludo escarlate, irradiava suspeição.
Pouca burocracia, e a revelação por trás da porta dos aposentos.
Cama única.
Redonda.
Com espelho oxidado no teto.
Pernoite consumado depois do colchão de campanha que a a mão molhada do porteiro providenciou com presteza.
Quase 40 anos depois, continua a desconfiança que o esmero na escolha do albergue foi para que os amigos mergulhassem no espírito da paulicéia.
Majestosamente desvairada em neon e nas luzes piscantes do Pink Motel.
(Textículo publicado em 15/03/2019)