UMA ESCOLHA MUITO LOUCA

No quarto ano de Medicina, um estágio remunerado era passaporte para a futura especialidade.

E entre a clínica e a  cirurgia, tempo de pensar fora da caixa.

Por que não a Psiquiatria?

O fato de ter sido batizado com o mesmo nome do tio mais velho, era bom sinal.

Haveria de ter no DNA alguma hélice que impulsionasse a futura profissão.

Tinha dado certo com ele, um dos fundadores da Sociedade Brasileira de Psicanálise.

Uma  carreira muito bem sucedida.

Especialização em Londres, Casa de Saúde na Tijuca, mansão no Alto da Boa Vista e fazenda em Juiz de Fora.

Na escolha do Hospital Dr. João Machado, conhecido apenas por Colônia,  fama e reputação, lá não muito boas, relevadas.

Aos novos acadêmicos, um rápido treinamento resumido ao ensino das drogas para uso no coquetel para sedar pacientes e acalmar os tigres de jaleco.

E como abordar aqueles loucos de todo gênero mais agitados que  chegavam do interior, amarrados, na parte de trás de um Jeep Willys.

Os médicos plantonistas por volta das quatro da tarde saíam para seus consultórios e não mais voltavam.

Toda a autoridade e responsabilidades ficavam com o estudante que só as dividia com Dona Raimunda, a funcionária mais antiga, e moradora do primeiro andar.

O doutor imberbe circulava  com desenvoltura por todas aquelas alas e enfermarias, sempre lotadas.

Pacientes dormindo pelo chão obrigava atenta, silenciosa e reflexiva caminhada

Medo, um pouquinho, principalmente do silêncio só ouvido pelos surdos, quando  chamado para algum atendimento nas altas horas.

Parecia mesmo que a dúvida que restava era só quem seria o mestre do decidido discípulo: Freud, Lacan ou Melanie Klein.

Até o dia que o sossega-leão não funcionou bem, e um paciente, que era pra estar pra lá de sedado, desferiu um violento soco no rosto do auto-confiante, ex-futuro alienista.

Ao incidente, seguiram-se duas decisões: a compra de novos óculos e a procura de outra especialidade menos  traumática.

Como o psiquiatra virou  urologista, é outra estória pra ser contada depois.

Se o doutor alemão deixar o facultativo jubilado lembrar porque foi.

(Este incidente foi publicado originalmente em 27/04/2019)