UMA PEQUENA HISTÓRIA DA DANÇA DOS PREFEITOS DE NATAL
Os amplos salões, as largas portas, o assoalho de madeira corrida, a iluminação bruxuleante, são convites para pas de deux, rodopios e piruetas.
As grandes datas comemoradas com valsas e polcas.
Nas efemérides pelos cem anos da independência, quando construiu o palacete de linhas coloniais, o arquiteto italiano Miguel Micussi deve ter pensado também na dança do poder.
Tempo aristocrático do engenheiro de english aplomb, em prolongamento para outro, igualmente nobre e gentil que virou praça no populoso Alecrim.
Com a ascensão do primeiro popular, de origem oligárquica, eleito pelo voto dos alfabetizados, foi a vez dos folguedos praianos e dos baixios chegarem aos altos da cidade, para bailarem livres dos alagadiços das rocas e ribeiras.
De pé no chão, além de se ensinar a ler, também se podia dançar.
Araruna, Boi Calemba. Chegança e Pastoril.
Ao ser permitida a escolha do ritmo por eleição da gentinha, o sucesso foi marcado pelas paródias.
Antes do fim combinado da contradança, uma piada de bom gosto sobre alta patente, fez o maestro perder batutas e partituras.
No longo inverno das marionetes, desanimação pra nunca mais voltar. Só de longe se podia ouvir o ritmo cadenciado das marchas desalmadas e das fanfarras tristes.
O estilo familiar voltaria anos depois com um aprendiz que apesar de desengonçado, rodopiou por muito tempo nos melhores bailes da república.
Já prevendo o tempo carrancudo prestes a se dissipar, portas reabertas para uma nova dinastia, com o novo ritmo das lambadas.
Quando a partner assumiu o comando do sarau, a plateia gostou, pediu bis e abriu pauta para ela em outro palácio ainda mais majestoso, onde, sob aplausos, voltou a abrir as cortinas da boca de cena e do sucesso eleitoral.
Seu reserva, agradou quando trouxe a animação e os bonecos do carnaval de Olinda mas não conseguiu contagiar o público do interior.
Nem a crítica musical e de tudo mais que estivesse fora da ordem, dizendo como consertar, se deu bem no ambiente sem assepsia.
Finalmente, a vez do reserva do reserva mostrar seu valor e o gingado aprendido em bailes de coroas.
Com tanto xote, xaxado e baião, a plateia sempre pede bis.
Ilustrações: J. Borges, xilografista pernambucano contemporâneo.
(Este arremedo de aula da história foi ministrado neste TL em 26/02/20)