26 de abril de 2024
Memória

LEMBRANÇAS DE UM NATAL DE NOVA IORQUE, NA NICARÁGUA

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Noite estrelada sobre o Ródano (1888) – Vincent van Gogh – Museu de Orsay, Paris


Este
Natal ainda não será igual aos que a memória não esquece.

Por conta da ameaça da nova cepa que se alastra mundo afora, disso ninguém duvida.

O  distanciamento social, em algum grau, torna-se hábito, é real e faz a festa mais  familiar de todas, mais simples e comedida, como a crise econômica também recomenda.

Sem perder o calor e o aconchego,  jamás.

Mais penumbra de manjedoura, que luzes e trenós em neve de capucho de algodão.

A celebração da sobrevivência e a saudade dos ausentes, provoca viagens na máquina afetiva do tempo, e repete lembranças.

A mesma casa, de incontáveis reformas, não guarda nenhuma recordação de uma única noite branca, em 39 anos.

Quantos arranjos no trabalho, troca de serviços e plantões para estar sempre presente na grande reunião familiar?

Com pais, irmãs, filharada e aderentes. Da cara-metade. Da Paraíba, sim senhor.

Uma só e excepcional exceção.

Falha na programação de itinerário, e a passagem de volta às vésperas do Ano Novo, obrigam o canto do jingle bells na capital do mundo.

Nova Iorque fica mais iluminada, alegre e receptiva enquanto espera a maior de todas as confraternizações.

Os dias que precedem a ceia larga não são iguais.

Agitação incomparável.

Vitrines tentadoras.

Povo sorridente.

Um pequeno detalhe, um broche, um enfeite na lapela, lembravam a data que ninguém iria esquecer

O casal de turistas em mastodôntico hotel de mais de 1500 apartamentos, no centro de Manhattan, no olho do furação da Times Square, estava seguro que a noite seria maravilhosa.

Inesquecível.

Como foi, passadas tantas outras e mais estórias pra contar.

O velho e mau hábito de não fazer reservas, um restaurante em cada esquina e entre elas, outros mais, faziam crer que o difícil seria escolher o mais adequado ao bolso e aos últimos traveller’s checks.

A chuva fina na noite fria, cinzenta, sem a neve que atrasou, foi a companheira na peregrinação por ruas desertas em busca de um oásis,  onde encontrar a última coca-cola  da selva de arranha-céus desertos.

Uma luz bruxuleante e o  burburinho vindo de um sub-solo, daqueles cenários de filmes de gângsters, era a última esperança de salvação, refúgio e alívio.

No estreito bar superlotado, vazios, só os poucos lugares em  bancos suspensos,  na quina do balcão alto.

Cheios, os copos e a cumplicidade da maître, cozinheira, garçonete e relações públicas.

Dela, a explicação que a cidade que Francis Albert nunca viu dormir, transforma-se em fantasma, na noite especial.

Todos fechados, em seus lares abertos às reuniões familiares.

Menos aquela dúzia e meia  de imigrantes clandestinos.

Na saudade dos natais e das famílias que ficaram na Nicarágua, encontraram um cantinho para acolher, com generosidade, os dois desalentados retirantes da seca nordestina.

Feliz (e de novo, inesquecível) Natal!

***
A publicação de 23/12/2020 sofreu algumas modificações, devidas a mais um ano de incertezas. E esperanças.

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A noite estrelada (1889) – Vincent Van Gogh – Museu de Arte Moderna de Nova Iorque

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