LEMBRANÇAS DE UM NATAL DE NOVA IORQUE, NA NICARÁGUA
Este Natal ainda não será igual aos que a memória não esquece.
Por conta da ameaça da nova cepa que se alastra mundo afora, disso ninguém duvida.
O distanciamento social, em algum grau, torna-se hábito, é real e faz a festa mais familiar de todas, mais simples e comedida, como a crise econômica também recomenda.
Sem perder o calor e o aconchego, jamás.
Mais penumbra de manjedoura, que luzes e trenós em neve de capucho de algodão.
A celebração da sobrevivência e a saudade dos ausentes, provoca viagens na máquina afetiva do tempo, e repete lembranças.
A mesma casa, de incontáveis reformas, não guarda nenhuma recordação de uma única noite branca, em 39 anos.
Quantos arranjos no trabalho, troca de serviços e plantões para estar sempre presente na grande reunião familiar?
Com pais, irmãs, filharada e aderentes. Da cara-metade. Da Paraíba, sim senhor.
Uma só e excepcional exceção.
Falha na programação de itinerário, e a passagem de volta às vésperas do Ano Novo, obrigam o canto do jingle bells na capital do mundo.
Nova Iorque fica mais iluminada, alegre e receptiva enquanto espera a maior de todas as confraternizações.
Os dias que precedem a ceia larga não são iguais.
Agitação incomparável.
Vitrines tentadoras.
Povo sorridente.
Um pequeno detalhe, um broche, um enfeite na lapela, lembravam a data que ninguém iria esquecer
O casal de turistas em mastodôntico hotel de mais de 1500 apartamentos, no centro de Manhattan, no olho do furação da Times Square, estava seguro que a noite seria maravilhosa.
Inesquecível.
Como foi, passadas tantas outras e mais estórias pra contar.
O velho e mau hábito de não fazer reservas, um restaurante em cada esquina e entre elas, outros mais, faziam crer que o difícil seria escolher o mais adequado ao bolso e aos últimos traveller’s checks.
A chuva fina na noite fria, cinzenta, sem a neve que atrasou, foi a companheira na peregrinação por ruas desertas em busca de um oásis, onde encontrar a última coca-cola da selva de arranha-céus desertos.
Uma luz bruxuleante e o burburinho vindo de um sub-solo, daqueles cenários de filmes de gângsters, era a última esperança de salvação, refúgio e alívio.
No estreito bar superlotado, vazios, só os poucos lugares em bancos suspensos, na quina do balcão alto.
Cheios, os copos e a cumplicidade da maître, cozinheira, garçonete e relações públicas.
Dela, a explicação que a cidade que Francis Albert nunca viu dormir, transforma-se em fantasma, na noite especial.
Todos fechados, em seus lares abertos às reuniões familiares.
Menos aquela dúzia e meia de imigrantes clandestinos.
Na saudade dos natais e das famílias que ficaram na Nicarágua, encontraram um cantinho para acolher, com generosidade, os dois desalentados retirantes da seca nordestina.
Feliz (e de novo, inesquecível) Natal!
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A publicação de 23/12/2020 sofreu algumas modificações, devidas a mais um ano de incertezas. E esperanças.