26 de abril de 2024
Educaçãofutebol

NA COLA DO AVÔ

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Time de Futebol 1, serigrafia – Aldemir Martins (1922-2006) – Galeria de Arte Lívia Doblas


Já não se fazem resfriados como os de antigamente.

Pelo menos, dos contraídos pelos netos.

Agora, qualquer difruço passa por isolamento cuidadoso, aviso que visitas não são bem-vindas,  para terminar na nervosa expectativa do resultado do swab orofaríngeo.

O tratamento se completa com a liberação de um dia na casa dos avós,  para o teste terapêutico com sorvete em doses generosas e repetidas.

Na convalescença, recomenda-se aos cuidadores senis, uma certa distância de certos canais do YouTube que apresentam intermináveis vídeos de adolescentes, em jogos impossiveis de entender, enquanto falam sobre absolutamente tudo, incluindo como faziam para se  darem bem na escola, como se  experientes conselheiros fossem.

O assunto do dia era como obter boas notas, com pouco esforço e muita malandragem, burlando a vigilância da professora nos dias de prova.

Antes que o provecto bisbilhoteiro começasse a reclamar da pauta e nível da programação, a pergunta só respondida na confiança que as contravenções na escola risonha que os tempos não trazem mais, prescrevem depois de 50 anos de ocorridas.

Vovô, você também colava?

Sorte de quem já tem um garajal de estórias para contar e deixa a resposta na imaginação dos pequenos.

Como a de um colega, craque,  comparável a um Gabigol papa-jerimum.

Com a bola no pé, era um fenômeno nas quadras.

Quando migrou para os gramados, foi logo aclamado como ídolo do time que voltava ao campeonato depois de uma longa ausência.

Um pouco mais velho que seus colegas do Colégio Marista, não conseguia acompanhar o ritmo dos CDFs da quarta série ginasial.

Motivo era o que não faltava.

Atleta semi-profissional, tinha as obrigações dos treinamentos e frequentes viagens com a equipe.

Ainda dividia o tempo reservado aos estudos com a agenda social  de quem, muito jovem, já ganhava um bom dinheiro.

E ainda flanava  de  Fuscão,  em invejáveis desfiles, nas tardes do Ky Show.

Logo percebeu que não tinha futuro acadêmico no colégio mais exigente da cidade.                             

Esperava só terminar o ano para se transferir para outro, de preferência, algum PP. Pagou, Passou.

Correndo o risco de  ser reprovado em Matemática, foi para a prova final precisando de uma nota quase impossível de conseguir.

A menos que contasse com a solidariedade dos colegas, fãs do esporte britânico.

Estratégia minuciosamente estudada, só havia uma possibilidade.

Alguém capaz de responder as questões com tanta rapidez, que fizesse duas provas em uma.  Além de dar um jeito de trocar a preenchida pela do artilheiro,  em branco, sem ser notado pelo mestre.

O Professor João Faustino confessou que a pontuação do aluno mais famoso foi uma imensa surpresa. Que ficou de olho, atento o tempo todo, não se descuidou um instante sequer e nada percebeu que comprometesse a lisura da avaliação.

Na divulgação do resultado, reconheceu a culpa pela falha na vigilância e assumiu as consequências.

Não tinha como alguém ter aprendido, nas vésperas do exame,  o que não teve tempo de fazer durante o ano todo.

A aprovação estava garantida, mas queria saber pelo menos  uma coisa.

Qual o método empregado na cola.

Dos ex-alunos,  conquistou os votos nas eleições que disputou mas nunca a confissão do crime já prescrito.

Com a camisa 9, Assis continuou acertando, com precisão matemática,  as redes adversárias, nos muitos gols do alvirrubro da Rodrigues Alves.

Antes que a perna de pato pedisse outras revelações, a chegada da salvação que logo soube do inacreditável segredo do avô.

Pai, sabia que vovô deu cola pra um colega, jogador do América?

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Jogador de Futebol 8 (1986) – Aldemir Martins – Coleção particular
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Futebol 1 (1966) – Aldemir Martins – Prêmio Medalha de Ouro da Bienal de Esportes de Barcelona em 1970

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