A COR DO VOTO
Definitivamente, a moda pegou.
Repercute, gera outras notícias e é prato cheio para o noticiário da TV.
Os programas esportivos já podem até manter uma seção só para o assunto que trocou as resenhas pelos parquets dos tribunais.
A morte violenta de George Floyd, filmada num subúrbio de Minneapolis, ganhou as mídias sociais, as ruas, o mundo e as consciências, com o aviso traduzido em todas as línguas.
Vidas negras importam.
No país miscigenado, não tem sido diferente.
Atos de racismo são procurados à lupa de aumento pleonástico.
Muitas vezes, facilmente encontrados, outras só com muita carga nas tintas das cores étnicas e na intolerância reativa.
Os tratamentos carinhosos, costume antigo, certamente vindo com outros vícios dos tempos da escravidão, passam a abomináveis.
Com efeitos retroativos.
A obra de Monteiro Lobato, a primeira vítima da sanha alvejante, já começou a ter seus personagens revistos em tonalidades neutras.
No cancioneiro popular, não importam as datas e conjunturas sociais, um índex com as músicas de letras de ritmos raciais inadequados, já pauta o repertório que pode ser tocado nas rádios.
O incidente com o narrador de jogos de futebol da emissora gaúcha, é exemplar.
Quem lê a notícia ilustrada por notas de desagravo, não fica sabendo do real tamanho do fato de tanta repercussão.
Quando identificou o jogador Lucas Braga como “crioulinho; o moreno”, Haroldo de Souza não teve o intuito de menosprezo nem o timbre da sua voz transmitia qualquer ar de superioridade.
Vereador por três legislaturas em Porto Alegre, foi autor do projeto de lei que instituía o Dia da Consciência Negra na cidade.
Aprovado pela câmara, sancionado pelo prefeito, o feriado foi derrubado na justiça por ação das classes produtoras. Não racistas.
Ele próprio puxado na melanina, casado com mulher de cor.
(Olha o nosso preconceito aí, gente! O adjetivo fica entendido não como a ausência, mas a presença de todas as cores).
Condenado pelo implacável julgamento das redes sociais, aos 76 anos, está ameaçado virar mais um desalentado, à procura de uma nova profissão.
Não fossem as penalidades impostas aos descendentes por atos e equívocos dos antepassados, seria até o momento de lembrar, com as devidas identificações, um caso do folclore político do agreste potiguar.
A campanha já perto do fim, o candidato a prefeito que fascinou o povão com seu tostão contra o milhão dos fazendeiros e grandes comerciantes, já havia conquistado o voto do palhaço de circo que abandonara a vida nômade.
O encontro do artista circense com o candidato a deputado na próxima eleição, era a oportunidade de fecharem compromisso antecipado.
O voto negado ao correligionário daquela vez. estaria garantido em mais dois anos.
A sinceridade do eleitor e a justificativa que a opção era pelo vizinho e compadre, não foram suficientes para impedir a explosiva rejeição do prometido voto futuro, consciente e soberano.
–Sabe o que você faz com seu voto, seu afrodescendente, grande filho de uma mulher sexualmente libetina?
O destempero verbal de quem viria amargar uma sexta suplência, foi ainda mais longe.
Com a indicação que o escrutínio fosse colocado no mesmo orifício onde 59 anos depois, o presidente da república mandou a imprensa enfiar uma montanha de latas de leite condensado.
NARRADOR USA TERMO RACISTA CONTRA LUCAS BRAGA “CRIOULINHO” | GRÊMIO 3 X 3 SANTOS