28 de abril de 2024
Memória

A QUINTA ETAPA DE UMA VIAGEM INESQUECÍVEL

Retrato de uma jovem mulher – Johannes Vermeer (1667) – MoMa, Museu Metrpolitano de Arte, Nova Iorque


Julho de 2000.

Depois de muitos planos, estava começando a viagem dos sonhos da família.

Levaríamos os quatro filhos para quinze dias no Chile. Com direito a muita neve.

Malas prontas, vôo da Varig marcado para o início da tarde. Olívia que vinha sendo tratada de uma inflamação no olho, amanhece com secreção purulenta.

Levada ao colega oftalmologista Zé Rosendo, o diagnóstico: úlcera de córnea,  consequente a ceratocone.

Férias canceladas, o tratamento que substituiu a aventura nos Andes, transformou-se numa árdua guerra. Colírios e orações, as armas mais poderosas.

Uma semana depois, a perfuração da córnea e a indicação de transplante.

No início deste século XXI, cirurgia realizada em Natal, esporádica, artesanal e heroicamente, graças à abnegação de Marco Rey de Faria que apoiado pelos  colegas João Maria Monte e Carlos Alexandre Garcia, conseguia entusiasmar jovens residentes como Uchoa e Bruno.

Depois de muito pedido a amigos das  UTIs e do ITEP, surge a chance.

O tio de outro paciente de Marco Rey fora assassinado, e se providenciássemos os exames, seriam realizados os dois transplantes.

A peregrinação pelos laboratórios só terminou com a lembrança do Hemonorte que resolveu o problema, graças a uma ex-aluna de Margarita que estava no plantão.

Cirurgia realizada ainda com direito a pernoite na clínica.

Seis meses depois, finalmente o Chile.

Olívia não viu o branco da neve.

O verão na Patagônia é uma explosão de muitas cores.

Que este relato pessoal e familiar sirva para lembrar a longa estrada que nos trouxe ao momento desta comemoração.

Setembro de 2011.

A Central de Transplantes realizou seminário e publicou plaquete com depoimentos de familiares e profissionais, para marcar  a meta alcançada da  fila zero para os de córnea.

Era coordenador da Central de Transplantes, o Dr. Rodrigo Furtado e Secretário Estadual de Saúde, o autor deste texto

Novembro de 2019.

54% das famílias potiguares recusam doar os órgãos de parentes com morte cerebral.

Quase vinte anos passados, com a córnea opacificada, Olívia está, de novo, na fila dos transplantes.

Se não ocorrerem novos atrasos nos pagamentos aos prestadores de serviços nem outros entraves burocráticos, o tempo estimado para ser chamada é de 14 meses.

Novembro de 2021

Dois anos e duas ondas de uma pandemia depois, os planos para o feriadão são alterados radicalmente.

O telefonema da clínica avisando ter córnea disponível, com cirurgia marcada para a segunda feira imprensada antes do dia de finados.

No dia de todos os santos, as preces de muitos foram ouvidas.

Novembro de 2023

Vinte e três anos depois, Olivia, pessoa com Síndrome de Down, acompanhou com interesse o transplante que deu ao apresentador Fausto Silva, um novo coração.

Ela tem consciência e sabe a importância de se falar neste assunto.

Mesmo que em textos repetidos que o pai, agradecido, publica neste Território Livre e nas suas redes sociais.

 

Moça com brinco de pérola – Johannes Vermeer (1665) – Museu Mauritshuis, Haia

2 thoughts on “A QUINTA ETAPA DE UMA VIAGEM INESQUECÍVEL

  • Maria das Graças de Menezes Venâncio

    Conhecia a Patagônia. Minha filha mais, fez uma imersão de 20 dias. Eu mais a Terra do Fofo, o Chile apenas uma parada em Punta Arenas, num cruzeiro que fiz. Desconhecia a sua luta com um câncer no olho. Toda luta contra o câncer é difícil. O mérito do médico Dr. Marco Rey. Estou apenas fichando material para um artigo sobre migração. Gosto de ler o que vc escreve. Já vi que tem outras crônicas que pretendo ler.

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    • Domicio Arruda

      Olívia, minha filha, teve uma úlcera de córnea. Daí a necessidade do transplante

      Resposta

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