A SOBREVIVÊNCIA DOS PÁRIAS
Todo o tempo dos sábios de Atenas era insuficiente para as atividades políticas.
Enquanto Aristóteles filosofava e ajudava a fincar os alicerces da democracia, era servido em seus afazeres domésticos e substituído nos trabalhos braçais, por escravos.
Nossos ideais de liberdade e igualdade, foram definidos por cidadãos livres, exceto, ex-escravos, mulheres e estrangeiros.
A lógica aristotélica atravessou a história, recebeu o incremento dos ideais de igualdade da Revolução Francesa para chegar aos dias de hoje, ainda clamando por liberdade.
A mais destruidora e mortal das epidemias escreveu um novo (e ainda não definitivo) capítulo, no livro libertário que ainda está longe de ser encerrado.
A condução da doença por quem de direito não deixou que as asas da liberdade pudessem ser abertas como imaginada nos versos dos poetas.
O manual de sobrevivência na floresta de vírus, variantes, vacinas e cepas, passou a ser a lei maior que transcendeu os poderes do Estado e de quem elabora e guarda suas regras.
Ciência das verdades transitórias, a Medicina passou por mudança tão intensa que só poderá ser quantificada muito depois que as poeiras dos sucessivos vendavais não estiverem mais embotando a visão da verdade científica, sempre resistente às versões convenientes e ao tempo das dúvidas proibidas.
Conceitos antes inquestionáveis não encontravam ar para sobreviver fora dos slogans, chavões e lugares comuns, tantas vezes repetidos.
Até o domínio e propriedade do próprio corpo deixaram de ser direito absoluto e inalienável.
Ninguém podia mais defender sua inviolabilidade sob risco de ser acusado por hediondo crime de lesa-humanidade.
Qualquer pessoa que por algum motivo, mesmo os que sempre dispensaram explicações, os de foro íntimo, decidia não se proteger com a vacina, além de ser rotulado de terrorista doméstico, foi condenado a todas as penas reservadas aos obscurantistas, alijado do convívio social, perderam o emprego e o direito de ir e vir.
O destino reservado aos recalcitrantes imunológicos, enquanto os portadores dos passaportes carimbados com sucessivas doses, estavam livres, festeiros e aglomerados, só faltou ser a obrigação de pregar nas vestes, um símbolo de perigo, inspirado na estrela de seis pontas de terrível memória.
Ninguém se aproximava deles, suas mãos jamais eram apertadas e em lares e comércios estiveram proibidos de entrar.
Já não era livre a manifestação do próprio pensamento.
Foram amaldiçoados aqueles que se insurgiram contra a cláusula pétrea que “vacina boa é vacina no braço”.
Os que ousaram comparar e escolher imunizantes, mesmo com sólidos conhecimentos sobre diferentes mecanismos de ação e reações adversas, tiveram seus nomes acrescidos da alcunha sommelier.
Ficaram aguardando no final da fila, a vacina russa (ou seria cubana?) comprada pelo Consórcio Nordeste, que nunca veio.
A verdade é contagiosa.
E o tempo, implacável.
A liberdade guiando o povo (1830) – Eugène Delacroix – Museu do Louvre, Paris