28 de abril de 2024
CoronavírusMemória

A SOBREVIVÊNCIA DOS PÁRIAS

O Massacre de Quios (1824) – Eugène Delacroix – Museu Louvre-Lens, Lens, França


Todo o tempo dos sábios de
Atenas  era insuficiente para  as atividades políticas.

Enquanto Aristóteles filosofava e ajudava a fincar os alicerces da democracia, era servido em seus afazeres domésticos e substituído nos trabalhos braçais, por escravos.

Nossos ideais de liberdade e igualdade, foram definidos  por cidadãos livres, exceto,  ex-escravos, mulheres e estrangeiros.

A lógica aristotélica atravessou a história, recebeu o incremento dos ideais de igualdade da Revolução Francesa para chegar aos dias de hoje, ainda clamando por liberdade.

A mais destruidora e mortal das  epidemias escreveu um novo (e ainda não definitivo) capítulo, no livro libertário que ainda está longe de ser encerrado.

A condução da doença por quem de direito não deixou  que as asas da liberdade pudessem ser abertas como imaginada  nos versos dos poetas.

O manual de sobrevivência na floresta de vírus, variantes, vacinas e cepas, passou a ser a lei maior que transcendeu os poderes do Estado e de quem elabora e guarda suas regras.

Ciência das verdades transitórias, a Medicina passou por mudança tão intensa  que só poderá ser quantificada muito depois que as poeiras dos sucessivos vendavais não estiverem mais embotando a visão da verdade científica, sempre resistente às versões convenientes e ao tempo das dúvidas proibidas.

Conceitos antes inquestionáveis não encontravam ar para  sobreviver fora dos slogans, chavões e lugares comuns, tantas vezes repetidos.

Até o domínio e propriedade do próprio corpo deixaram de ser direito absoluto e inalienável.

Ninguém podia mais defender sua inviolabilidade sob risco de ser acusado por hediondo crime de lesa-humanidade.

Qualquer pessoa que por algum motivo, mesmo os que sempre dispensaram explicações, os de foro íntimo,  decidia não se proteger com a vacina, além de ser rotulado de terrorista doméstico, foi condenado a todas as penas reservadas aos obscurantistas, alijado do convívio social, perderam o emprego e o direito de ir e vir.

O destino reservado aos recalcitrantes imunológicos, enquanto os portadores dos passaportes carimbados com sucessivas doses, estavam livres, festeiros e aglomerados, só faltou ser a obrigação de pregar nas vestes, um símbolo de perigo, inspirado na estrela de seis pontas de terrível memória.

Ninguém se aproximava deles, suas mãos jamais eram apertadas e em lares e comércios estiveram proibidos de entrar.

Já não era livre a manifestação do próprio pensamento.

Foram amaldiçoados aqueles que se insurgiram contra a cláusula pétrea que “vacina boa é vacina no braço”.

Os que ousaram comparar e escolher imunizantes, mesmo com sólidos conhecimentos sobre diferentes mecanismos de ação e reações adversas, tiveram  seus nomes acrescidos da alcunha sommelier.

Ficaram aguardando no final da fila, a vacina russa  (ou seria cubana?) comprada  pelo Consórcio Nordeste, que nunca veio.

A verdade é contagiosa.

E o tempo, implacável.

A liberdade guiando o povo (1830) – Eugène Delacroix – Museu do Louvre, Paris

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