1 de maio de 2024
Memória

A TV NOS TEMPOS DO VOVÔ

O Escolar ou O Filho do Carteiro (1888) – Vincent van Gogh, MASP, Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand


Há três anos,  a folhinha marcava e a mídia toda comemorava os 70 anos da televisão  no Brasil.

Epopeia de pioneiros e ousadia do paraibano que virou rei do país.

Com um atraso de uma década, os  pernambucanos puderam celebrar também suas duas primeiras emissoras, sessentonas.

A província de Keulen ainda precisou de mais tempo para conhecer o que por muito tempo foi campeão absoluto nos cadernos de questionários e recordações das moiçolas românticas, na resposta a “qual o maior invento da humanidade?.

Sob influência da metrópole regional, os estados satélites dependiam do comércio, serviços, da avançada assistência médica e das notícias que passavam  sempre pelo Recife.

Os dois maiores jornais pernambucanos, os centenários Diário de Pernambuco e Jornal do Commercio faziam concorrência aos periódicos locais.

Com sucursais e noticiário do interesse paroquial, eram pregoados pelos gazeteiros e vendidos em todas as bancas

As mesmas empresas inauguraram, quase simultaneamente, suas emissoras de TV, em disputada corrida pela busca da primazia e do lugar mais alto do pódio.

Com métodos pouco ortodoxos, Assis Chateaubriand venceu mais uma vez.

A tribo potiguar  ainda teve que esperar mais um pouco para assistir as imagens dos  índios tupis, chuviscadas em listras rolantes e ao som fugidio das telas de poucas polegadas.

Em preto, branco e cinza.

Por um bom tempo, sonhava-se com a maravilha que mudaria a vida das pessoas e traria em suas ondas, o futuro e o progresso.

Faltavam tecnologia e força.

A luz que veio do São Francisco e os avanços na telefonia por microondas, mostraram que a imagem também podia vencer os 300 kms que nos separavam das modernas instalações e auditórios da Veneza brasileira.

Um complicado sistema de antenas repetidoras transmitia o sinal, captado à força de bom bril, em poucos lares.

Por vezes e por semanas, algum defeito  e noites sem saber o que se passava na vida irreal das novelas de amor, aventuras, capas e espadas.

As redes sociais de televizinhos faziam daqueles aparelhos fabricados na América e na Alemanha, sonho de consumo.

Ter uma Telefunken era o maior sinal exterior de riqueza que se podia ostentar na sala de visitas.

Depois de um Renault Dauphine na garagem.

Pernambuco que já falava para o mundo, agora dominava as noites de sábados e domingos.

Fernando Castelão apresentava o Você faz o show, competindo com os apresentadores do tope de Flávio Cavalcanti com  programas no ar nordestino, uma semana depois da gravação carioca.

As noites também eram de black tie, plumas e laquê.

Artistas regionais, concursos, prêmios, políticos e uma ou outra celebridade do sul,  sempre a abrilhantar os shows ao vivo, com vibrante e  barulhenta plateia.

A emissora repetia, sempre que uma oportunidade aparecia, que  tinha dono.

Uma das organizações F. Pessoa de Queirós que virou modelo pra toda bodega de beira-de-estrada

Conterrâneo do tycoon dos Diários Associados, nascidos na mesma Umbuzeiro no sertão paraibano.

Sobrinho do Presidente  Epitácio Pessoa, foi diplomata, deputado federal e senador antes de implantar a sua Babilônia entre o Capibaribe e o Beberibe.

Depois foram mais dez anos para as cores substituírem as sobretelas,  que amarelas, transformavam todos os atores em asiáticos, sem olho puxado.

E mais outros vinte para a programação local aportar na Ponta Negra.

Este é um pedaço da  estória que os netos só vão acreditar quando virar série na Netflix.

 

Banco de Pedra no Asilo Em Saint-Remy (1890) – Vincent van Gogh – Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand
Passeio ao crepúsculo (1890) – Vincent van Gogh – Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand

 

(O texto, publicado em 18/09/2020, é ilustrado com as  três obras de Van Gogh do acervo do MASP)

One thought on “A TV NOS TEMPOS DO VOVÔ

  • Geraldo Batista de Araújo

    Ótimo texto de quem é bem informado.

    Resposta

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