A TV NOS TEMPOS DO VOVÔ
Há três anos, a folhinha marcava e a mídia toda comemorava os 70 anos da televisão no Brasil.
Epopeia de pioneiros e ousadia do paraibano que virou rei do país.
Com um atraso de uma década, os pernambucanos puderam celebrar também suas duas primeiras emissoras, sessentonas.
A província de Keulen ainda precisou de mais tempo para conhecer o que por muito tempo foi campeão absoluto nos cadernos de questionários e recordações das moiçolas românticas, na resposta a “qual o maior invento da humanidade?”.
Sob influência da metrópole regional, os estados satélites dependiam do comércio, serviços, da avançada assistência médica e das notícias que passavam sempre pelo Recife.
Os dois maiores jornais pernambucanos, os centenários Diário de Pernambuco e Jornal do Commercio faziam concorrência aos periódicos locais.
Com sucursais e noticiário do interesse paroquial, eram pregoados pelos gazeteiros e vendidos em todas as bancas
As mesmas empresas inauguraram, quase simultaneamente, suas emissoras de TV, em disputada corrida pela busca da primazia e do lugar mais alto do pódio.
Com métodos pouco ortodoxos, Assis Chateaubriand venceu mais uma vez.
A tribo potiguar ainda teve que esperar mais um pouco para assistir as imagens dos índios tupis, chuviscadas em listras rolantes e ao som fugidio das telas de poucas polegadas.
Em preto, branco e cinza.
Por um bom tempo, sonhava-se com a maravilha que mudaria a vida das pessoas e traria em suas ondas, o futuro e o progresso.
Faltavam tecnologia e força.
A luz que veio do São Francisco e os avanços na telefonia por microondas, mostraram que a imagem também podia vencer os 300 kms que nos separavam das modernas instalações e auditórios da Veneza brasileira.
Um complicado sistema de antenas repetidoras transmitia o sinal, captado à força de bom bril, em poucos lares.
Por vezes e por semanas, algum defeito e noites sem saber o que se passava na vida irreal das novelas de amor, aventuras, capas e espadas.
As redes sociais de televizinhos faziam daqueles aparelhos fabricados na América e na Alemanha, sonho de consumo.
Ter uma Telefunken era o maior sinal exterior de riqueza que se podia ostentar na sala de visitas.
Depois de um Renault Dauphine na garagem.
Pernambuco que já falava para o mundo, agora dominava as noites de sábados e domingos.
Fernando Castelão apresentava o Você faz o show, competindo com os apresentadores do tope de Flávio Cavalcanti com programas no ar nordestino, uma semana depois da gravação carioca.
As noites também eram de black tie, plumas e laquê.
Artistas regionais, concursos, prêmios, políticos e uma ou outra celebridade do sul, sempre a abrilhantar os shows ao vivo, com vibrante e barulhenta plateia.
A emissora repetia, sempre que uma oportunidade aparecia, que tinha dono.
Uma das organizações F. Pessoa de Queirós que virou modelo pra toda bodega de beira-de-estrada
Conterrâneo do tycoon dos Diários Associados, nascidos na mesma Umbuzeiro no sertão paraibano.
Sobrinho do Presidente Epitácio Pessoa, foi diplomata, deputado federal e senador antes de implantar a sua Babilônia entre o Capibaribe e o Beberibe.
Depois foram mais dez anos para as cores substituírem as sobretelas, que amarelas, transformavam todos os atores em asiáticos, sem olho puxado.
E mais outros vinte para a programação local aportar na Ponta Negra.
Este é um pedaço da estória que os netos só vão acreditar quando virar série na Netflix.
(O texto, publicado em 18/09/2020, é ilustrado com as três obras de Van Gogh do acervo do MASP)
Ótimo texto de quem é bem informado.