2 de maio de 2024
CPIPolítica

ANUÊ JACI

Dança dos Tapuias (1637) – Albert Eckhout – Museu Nacional dá Dinamarca

A memória coletiva é curta e volátil.

O que, há um ano, dominava o noticiário e tomava todo o tempo da audiência cativa, em isolamento, já parece esquecido.

A CPI da Cloroquina é daquelas estórias que a gente escuta dos antepassados, sem dar muita atenção, como se o relato fosse por demais exagerado.

As seis horas de depoimento do ex-chanceler Ernesto Araújo, é uma peça difícil de ser catalogada, se no estilo modernista de 1922 ou no tropicalismo dos velhos baianos

O ritmo do raciocínio  da testemunha-réu não permitiu a compreensão do seu pensamento.

Em frases curtas e picotadas, cheias de artigos indefinidos, interjeições, monossílabos, curtas lacunas, pausas, indecisões …ahs …ehs ..

O resultado da oitiva  analisado por comentaristas políticos, ex-colegas diplomatas e nos noticiários do horário nobre da TV, foi uniforme, mas decepcionante para os piromaníacos, ávidos por mais sacrifícios na fogueira da profana inquisição.

Os senadores não estavam preparados para outras linguagens e interpretações filosóficas.

A explicação é singela.

“Seu” Ernesto, rebaixado em seus títulos acadêmicos e altos postos de excelências e senhorias exercidos, não se fez compreendido, por raciocinar em Tupi.

Nem pelos representantes da Amazônia, aculturados há muito na taba do Lago Paranoá, foi entendido.

Não apareceu nenhum caboclo versado nas línguas Aiambé, Cambeba, Guajá ou Nheengatu.

Da toca não saiu tatu.

Os arapongas, umas araras, jiboiando jacarés.

O lambari escapou do anzol como um guri que sai de Sergipe, passa por  Pernambuco, atravessa o  Ceará no rumo à toca de Roraima.                            

Os pajés ficaram jururus.

Tudo em bom e escorreito Tupi-guarani.

Mas foi só o conterrâneo puxar da algibeira, uma fala mal decorada de Ruy Barbosa, para il gatto pardo entrar na tuba.

Não houve clima para  discutir a tríade Gnosis, Aletheia e Eleutheria.

O Pensamento, a Verdade e a Liberdade não tiveram teto para baixar no augusto terreiro dos astutos pais-de-santo.

O depoente soube sair incólume do urdido massacre e livre da oikofobia explícita, ao encarnar o espírito de Giuseppe Tomasi di Lampedusa (1896-1957),para ensinar aos nobres parlamentares:

Se quisermos que tudo continue como está, é preciso que tudo mude.

A  vassalagem dos preclaros sabidos da res publica é que não mudou em nada:

Pelo Rei, com certeza, mas por qual Rei?

*Anuê Jaci (Ave Maria)

Índia Tupi (1641) – Albert Eckhout- Museu Nacional da Dinamarca

(Texto baseado em relato de 22/05/2021)

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