CAMINHO DO DESENCONTRO
Notícia de um namoro de tempos idos que é retomado depois de anos sem contato algum.
É frequente.
Em busca do tempo perdido, recém separados procuram, na internet, quem andava quase esquecido(a) nas gavetas emperradas da memória.
E muitas vezes encontram.
Pessoas enriquecidas pelas lições da vida, com outras estórias paralelas e sonhos, agora maduros.
Entusiasmado com a descoberta da paixão de vinte anos passados, o advogado em disponibilidade e poeta praticante dedicou-se a refazer conexões nas redes sociais.
Acreditava que o tempo havia escapado de deixar marcas na ex e futura amada.
À distância e na telinha, a prenda gaúcha estava conservadíssima.
Ficou chateado quando o amigo negacionista falou em ilusão e no perigo que um photoshop às vezes pode causar.
O idílio logo pegou um vento minuano de popa, ao ponto de dispensarem a fase esperada, necessária e lógica do reencontro físico.
Enebriados pela paixão reacesa, acertaram um recomeço pr’ além-mar.
Em terras de Castela, limites de França.
Passariam a limpo suas vidas, numa cartase, no caminho solitário (a dois), que os levaria, sem pressa, por terras de Leon, Astúrias e Galícia, a Santiago de Compostela.
Chegariam ao Nirvana e nada mais seria como antes.
No reencontro au pie de mont, a hora da verdade.
Tête-à-tête, pele na pele.
Não deu liga.
Nem o tempo fechado nem o frio de rachar, impediram que o intrépido andarilho, desconsiderando todos os alertas de segurança, iniciasse a jornada sozinho.
E chegasse ao destino uma semana antes do previsto.
Para nunca mais se encontrarem.
Nem no Facebook.
O Caminho da Vida (1516) – Hieronymus Bosch – Museu do Prado, Madri, Espanha
(Publicação original em 03/06/2020)