3 de maio de 2024
Memória

CAMINHO DO DESENCONTRO

O Andarilho (1494) – Hieronymus Bosch – Museu Boymans-van Beuningen, Roterdam, Holanda


Notícia de um namoro de tempos idos que é retomado depois de anos sem contato algum.

É frequente.

Em busca do tempo perdido,  recém separados procuram, na internet,  quem  andava quase esquecido(a) nas gavetas emperradas da memória.

E muitas vezes encontram.

Pessoas enriquecidas pelas lições da vida, com outras estórias paralelas e  sonhos, agora maduros.

Entusiasmado com a descoberta da paixão de vinte anos passados, o advogado em disponibilidade e poeta praticante dedicou-se a refazer conexões nas redes sociais.

Acreditava que o tempo havia escapado de deixar marcas na ex e futura amada.

À distância e na telinha, a prenda gaúcha estava conservadíssima.

Ficou chateado quando o amigo negacionista falou em  ilusão e no perigo que um photoshop às vezes pode causar.

O idílio logo pegou um vento minuano de popa, ao ponto de dispensarem  a fase esperada, necessária e lógica  do reencontro físico.

Enebriados pela paixão reacesa, acertaram  um recomeço pr’ além-mar.

Em terras de Castela, limites de França.

Passariam a limpo suas vidas,  numa cartase, no caminho solitário (a dois),  que os levaria, sem pressa, por terras de Leon, Astúrias e Galícia, a Santiago de Compostela.

Chegariam ao Nirvana e nada mais seria como antes.

No reencontro au pie de mont, a hora da verdade.

Tête-à-tête, pele na pele.

Não deu liga.

Nem o tempo fechado nem o frio de rachar, impediram que o intrépido andarilho, desconsiderando todos os alertas de segurança, iniciasse a jornada sozinho.

E chegasse ao destino uma semana antes do previsto.

Para nunca mais se encontrarem.

Nem no Facebook.

 

O Caminho da Vida (1516) – Hieronymus Bosch – Museu do Prado, Madri, Espanha


(Publicação original em 03/06/2020)

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