CRIANÇAS TRANQUILAS
Se não fosse pelo testemunho da vasta obra de Pedro Bloch (1914-2004), era de se creditar à vida moderna, com sua parafernália de engenhocas eletrônicas, a desenvoltura das crianças dos tempos pandêmicos.
Autor de mais de cem títulos, entre eles, o monólogo para o teatro, As Mãos de Euridice, deixou sua marca mais indelével nas estórias que contava dos seus pequenos pacientes do consultório de Foniatria.
Dona Xepa, sucesso transportado para o universo mágico das novelas de televisão divide seu título mais popular com o sempre atual Criança Diz Cada Uma!
Quem sabia ouvir e falar a linguagem dos pequenos, estará sempre na lembrança dos avós, quando surgir uma pergunta inesperada ou uma resposta desconcertante.
Mesmo os que acham que os netos suplantam os filhos com observações e comentários inusitados, terão aquela página da Revista Manchete como referência pra nunca ser esquecida.
Os exemplos dos crescidos é que tiram a inocência dos pequenos.
Quando menos se espera, lá estão eles com atitudes que escondem sinceridade e malfeitos.
A visão particular do mundo que não se mistura com o dos adultos é que mantém toda graça do que eles aprontam e falam.
O tempo fugaz, num piscar de olhos, eles já tomam consciência do próprio corpo e que são seres em evolução.
Para logo, ficarem iguais a seus espelhos.
Ao ouvir dos pais, comentários que a feira estava acabando mais rápido em dias e meses de isolamento social, aos sete anos, o voraz consumidor final não deixou de dar sua explicação, digna de um comentarista econômico:
Estou comendo mais porque estou em crescimento.
Não se discute a evolução da autonomia precoce traduzida em pequenas observações que começam muito cedo.
A netinha de dois anos andava tão sem entusiasmo com o tempero doméstico que recebeu da mãe a promessa de uma comida especial.
De raspar o prato e pedir bis.
O anúncio do manjar fora do trivial não correspondeu às expectativas e ao gosto na vida real.
No questionário para avaliar o nível de satisfação da cliente com a iguaria extra do cardápio, a crítica mais arrasadora.
Não acho uma bisnaguinha com mel, especial.
A compensação é que a turminha, cada vez mais ciente das preocupações e cuidados constantes que requer, também ajuda quem a protege.
O silêncio do apartamento, quebrado logo depois que a mesma gourmant entrara na cozinha, é a prova.
O porta-guardanapos aos pedaços e os papéis espalhados pelo chão deixaram de ser motivo de preocupação depois de tranquilizadora afirmação.
O anúncio que a situação estava sob controle não deixa dúvidas sobre quem é que anda com os nervos à flor da pele.
Mãe, estou tranquila.
A próxima geração vai aposentar o Lexotan.
(Publicação original em 12/02/2021)