2 de maio de 2024
Memória

DOUTORES DE VERDADE

Os maus médicos ( 1895) – James Ensor – Museu Groeninge, Bruges, Bélgica  ***


Não adiantava procurar outros assuntos, em vôo de pássaro sobre os jornais digitais e nas poucas páginas da folha diária.

Do garimpo nas redes sociais, só saia o cascalho de sempre.

A vacina, pepita que curava ou prevenia, era promessa esperada até pelos mais pessimistas.

Tamanha resignação com o tema único, que nunca um solstício de inverno foi tão comemorado e discutido.

O meio do ano bissexto de 2020 gerou dúvidas, como se o equinócio também fosse observado, não só nas metades dos dias iguais.

E fizesse alguma diferença.

No calendário, um alento.

Representado em gráfico, a curva de Gauss mostrava que no ano que nunca seria esquecido, a pandemia atingira o pico, que ficava para trás, como a banda podre de uma laranja imaginária.

Estava  iniciada a contagem regressiva para a próxima década mais promissora.

As mesmas estórias de sempre haveriam de continuar na velha ordem, sem deixar de fora aquilo  que ocupou todos os espaços.

Até no futebol, a polêmica não era quem seria o melhor craque, o pior perna-de-pau ou goleiro mais frangueiro.

Todos queriam opinar pela graça ou sua falta, em jogos com plateia de Riachuelo versus Ferroviário.

O caderno de Economia cheio de índices a serem revistos e sem os prazos e certezas tão precisas de antes.

Como os crimes violentos não diminuíram com o distanciamento, pode-se concluir que as pessoas continuavam dando à vida, o mesmo valor que sempre deram, ou que as feras em cativeiro ficam mais agressivas ainda.

Quem não precisou de adaptações ao novo estilo de vida foram os trambiqueiros.

Mesmo assim eles mostravam uma tendência.

No Rio de Janeiro foi preso um falso médico fazendo procedimentos estéticos com especialidade  em preenchimentos labiais.

Como se a máscara obrigatória não fosse esconder a obra do cirurgião plástico fajuto.

A notícia, sem destaque, trazia uma pergunta.

Quem pode exercer a milenar arte de curar e queria a mídia, passasse a ser só ciência e matemática?

Se de médico, todos tinham um pouco, com todas as doenças resumidas em uma só, a ordem era tratar sem prescrição alguma a não ser o antitérmico de costume.

E uma única orientação:

Quando não der mais pra resistir, procure um hospital.

Três anos depois, é onde continuam trabalhando os resistentes doutores de verdade.

 

Máscaras (1925) – James Ensor – Museu de Arte de Telavive, Israel

***
Os Maus Médicos (1895) – James Ensor:

O paciente gritando, sofrendo de ascite, senta-se em um sofá, à esquerda.

Um cirurgião e outro médico extraem vários órgãos de seu corpo.

Outro médico carregando uma jarra caminha em direção a eles com um andar instável (bêbado?).

Outro cirurgião rouba seu bolso.

À direita, um esqueleto com uma foice, representando a morte

 

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