DEMOCRATIZAÇÃO DO ACESSO AO CINEMA NO BRASIL
Todo saudosista tem seu cinema de estimação.
É tempo de lembrar e contar aos jovens que queimaram os miolos para redigir, em linguagem vernacular, escorreita e castiça, como pode ser mais democrática, a sétima arte.
O tempo traz à memória, com sentimento de perda, até o que era motivo de bagunça, assobios e apupos.
Quando as sessões cinematográficas eram medidas em partes, e ocorriam as frequentes trocas dos rolos.
Com as luzes acessas, quanto mais rápido voltasse a projeção, melhor era considerada o pulgueiro.
Em caso de engano, as latas das fitas trocadas, não tinha como uma estória continuar, com a segunda parte de uma outra.
–Quero meu dinheiro de volta.
Reclamação recorrente e repetida, não só em cada interrupção ou demora, mas em qualquer frustração à qualidade artística esperada.
Incluídas as propagandas enganosas dos cartazes da entrada.
Na tela remendada, romance água-com-açúcar; ao lado da bilheteria, o reclame de Randolph Scott assoprando o cano esfumacento do três oitão do faroeste.
Não se encontram mais salas de cinema onde antes havia goteiras, mofo e morcegos de assustadores voos rasantes.
Fitas gastas, arranhadas, cheias de riscos, manchadas pelas reprises, e quem levava a culpa, era a mãe do projecionista.
A bem da verdade, som surround já existia. Muito mais avançado que o modernoso quadrifônico de hoje. Integravam a trilha sonora, o barulho do trânsito e as conversas na calçada.
No imponente prédio de pé direito alto, porteiro carrancudo que deixava passar os menores não pagantes, mas acompanhados, cortinas puídas e cheiro de inhaca, ingresso era de todo preço e pra todos os gostos.
Poltronas, sem estofados.
Primeira classe, com direito a entrada de almofadas trazidas de casa.
Bancos, com e sem encostos, nas filas mais próximas ao écran.
Corredor lateral reservado à platéia em bipedestação.
Descontos especiais para os retardatários que pegavam o enredo no meio da missa. E depois pediam pra algum amigo contar o começo da trama.
Sessões contínuas eram luxos encontrados somente nas telonas em cinemascope, nas metrópoles.
Lugares reservados só para quem esperava, do lado de fora, com certa impaciência, o The End, para assistir o seriado. O público cativo para as aventuras de Flash Gordon e companhia.
Nunca mais haverá sala de projeção mais democrática que o Cine Éden, o Cinema Paradiso do Agreste.
(O título deste texto, publicado em 08/11/2019, foi o tema da redação do ENEM. Que não sirva de modelo para os concorrentes deste ano)