4 de maio de 2024
Memória

DEVAGAR E SEMPRE

Tartaruga no deserto – Snake Jagger, pintor contemporâneo, Morongo Valley, Califórnia.


A um ano da eleição, começam a circular adesivos nos carros, com nomes de pessoas que querem ser lembradas que existem.
E podem ser o seu (e o meu) representante na
Câmara de Vereadores.

Com frações de segundos disputados com outros tantos que se mostrarão ao eleitorado, a propaganda gratuita pouco ajuda na escolha de um vereador.

No máximo, serve para saber que um conhecido há muito sem notícias, entrou na politica e é bom se preparar para o encontro cívico, certo e provocado.  E o pedido de incentivo e apoio.

Dos que ganharam mais notoriedade que votos, Tartaruga foi dos poucos a continuar  seu trabalho comunitário, depois da sucessão de derrotas nas urnas.

E a publicar uma auto-biografia.

Com muita aventura e alguma lenda, a saga de um homem do povo foi contada em cordel.

Sem direito a resenha nos cadernos literários, notinhas nas colunas sociais,  noite de autógrafos nem exposição nas vitrines das livrarias

Venda direta, no corpo a corpo.

O preço, na generosidade de quem compra, e um único argumento de marketing pessoal.

– Minha vida está toda aí.

Em oito páginas do livreto.

Reconhecendo ser de pouca leitura e quase nenhuma escrita, contou tudo o que passou, ao amigo Palá, ghost-writer que recontou em versos, editou, imprimiu e entregou para o biografado se virar.

Contam que a família de Rio Tinto,  afundeou a pedra de âncora em Mãe Luiza, de onde não saiu mais.

Aos nascidos na Paraíba, foram se chegando outros mais. E mais, até completar a conta. Nove.

Fora  os homens, uma irmã.

O pai fazia de tudo, um pouco. A mãe, tudo ainda era pouco, pelo pastoril sem nome que comandava.

De pé no chão, mais que aprender a ler, nunca esqueceu as palavrinhas mágicas.

Com licença.
Por favor.
Obrigado.

Quase adolescente, cruzou caminho com um sacerdote português.

No vácuo do poder, refugiado do regime de Salazar,  o Padre João Perestrello, entre muitas obras sociais, abriu a estrada unindo as ruas tortuosas, seguindo o traçado dos ventos nas dunas.

Com mão de obra infanto-juvenil e pagamento em   boia, trigo, óleo, burgol e cigarros.

Com a revolução dos cravos, o exilado, ex-capelão do exército lusitano, voltou à terrinha, onde também passou a ser admirado  e semi-venerado.

Até uma certa  manhã de domingo em que anunciou aos paroquianos, atônitos e lavados em lágrimas, que iria deixar o sacerdócio,  apaixonado  que estava por uma jovem senhora da freguesia de Loures.

Do lado de cá dos mares bravios, o trabalho continuou.

No carrego d’água e biscates em geral, até o despertar da vocação política.

De maior, virou taxista e liderança comunitária.

Uma desilusão amorosa mostrou como saída honrosa, o caminho do Rio de Janeiro.

Em morcego num caminhão da Guararapes.

Lá, encontrou o destino e a ideologia pro resto da vida.

Socialista moreno, no trabalhismo herdado de Vargas.

Foi de flanelinha a guardador de carros, até um lugar à sombra e ao volante da frota oficial no governo de Brizola. Com repeteco na prefeitura de César Maia.

Abarrotado de experiência e ideias, voltou para fazer política.

Fez filhos.

Nove. O mesmo desempenho do pai.

Repetiu sem parar:

Mãe Luíza tem pressa.


(Esta arrastada jornada queloniana foi postada originalmente em 01/10/2019)

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