DEVAGAR E SEMPRE
A um ano da eleição, começam a circular adesivos nos carros, com nomes de pessoas que querem ser lembradas que existem.
E podem ser o seu (e o meu) representante na Câmara de Vereadores.
Com frações de segundos disputados com outros tantos que se mostrarão ao eleitorado, a propaganda gratuita pouco ajuda na escolha de um vereador.
No máximo, serve para saber que um conhecido há muito sem notícias, entrou na politica e é bom se preparar para o encontro cívico, certo e provocado. E o pedido de incentivo e apoio.
Dos que ganharam mais notoriedade que votos, Tartaruga foi dos poucos a continuar seu trabalho comunitário, depois da sucessão de derrotas nas urnas.
E a publicar uma auto-biografia.
Com muita aventura e alguma lenda, a saga de um homem do povo foi contada em cordel.
Sem direito a resenha nos cadernos literários, notinhas nas colunas sociais, noite de autógrafos nem exposição nas vitrines das livrarias
Venda direta, no corpo a corpo.
O preço, na generosidade de quem compra, e um único argumento de marketing pessoal.
– Minha vida está toda aí.
Em oito páginas do livreto.
Reconhecendo ser de pouca leitura e quase nenhuma escrita, contou tudo o que passou, ao amigo Palá, ghost-writer que recontou em versos, editou, imprimiu e entregou para o biografado se virar.
Contam que a família de Rio Tinto, afundeou a pedra de âncora em Mãe Luiza, de onde não saiu mais.
Aos nascidos na Paraíba, foram se chegando outros mais. E mais, até completar a conta. Nove.
Fora os homens, uma irmã.
O pai fazia de tudo, um pouco. A mãe, tudo ainda era pouco, pelo pastoril sem nome que comandava.
De pé no chão, mais que aprender a ler, nunca esqueceu as palavrinhas mágicas.
Com licença.
Por favor.
Obrigado.
Quase adolescente, cruzou caminho com um sacerdote português.
No vácuo do poder, refugiado do regime de Salazar, o Padre João Perestrello, entre muitas obras sociais, abriu a estrada unindo as ruas tortuosas, seguindo o traçado dos ventos nas dunas.
Com mão de obra infanto-juvenil e pagamento em boia, trigo, óleo, burgol e cigarros.
Com a revolução dos cravos, o exilado, ex-capelão do exército lusitano, voltou à terrinha, onde também passou a ser admirado e semi-venerado.
Até uma certa manhã de domingo em que anunciou aos paroquianos, atônitos e lavados em lágrimas, que iria deixar o sacerdócio, apaixonado que estava por uma jovem senhora da freguesia de Loures.
Do lado de cá dos mares bravios, o trabalho continuou.
No carrego d’água e biscates em geral, até o despertar da vocação política.
De maior, virou taxista e liderança comunitária.
Uma desilusão amorosa mostrou como saída honrosa, o caminho do Rio de Janeiro.
Em morcego num caminhão da Guararapes.
Lá, encontrou o destino e a ideologia pro resto da vida.
Socialista moreno, no trabalhismo herdado de Vargas.
Foi de flanelinha a guardador de carros, até um lugar à sombra e ao volante da frota oficial no governo de Brizola. Com repeteco na prefeitura de César Maia.
Abarrotado de experiência e ideias, voltou para fazer política.
Fez filhos.
Nove. O mesmo desempenho do pai.
Repetiu sem parar:
Mãe Luíza tem pressa.
(Esta arrastada jornada queloniana foi postada originalmente em 01/10/2019)