27 de abril de 2024
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FALTA ALGUÉM NA CPI

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O Tribunal (1902),  Jean-Louis Forain  – Coleção Tate – Londres

Quem ainda tem paciência e não encontrou uma boa série eletrizante para maratona, já notou que a guinada do enredo na CPI da Cloroquina não deve prender a atenção do público por muito mais tempo.

Na fase pastoril da medicina, em erro de concepção dos roteiristas, um assunto arrastado, ficou monótono e não produziu resultados práticos.

A esperada cena de algum senador declarando que estava finalmente convencido da ineficácia dos remédios que defendia ardorosamente, não foi ao ar.

Nem vice-versa.

Contra todas as expectativas, insistem em manter o núcleo humorístico, como se fosse possível, o trágico ser também, cômico.

Não fez nenhuma graça trazer para os holofotes, figurantes sem  verossimilhanças para a estória mal contada.

O mestre Dias Gomes não teria tido a ousadia de incluir na trama de realismo fantástico, um cabo da meganha, trocando mensagens de e-mails, em inglês de nível principiante da Wizard,  com um picareta internacional, vendedor de material de construção num subúrbio de Austin, Texas, transformado em mercador de vacinas, em número que nem a fábrica consegue dar conta.

Depois de ter ouvido, por 8 horas, um surdo-mudo, estava demorando muito a inevitável, encheção de linguiça.

Ao ponto de ser exibida como escândalo, uma  funcionária da burocracia carimbatória, acusada de falta de patriotismo por ter tirado seu sagrado período aquisitivo de férias, por nobre parlamentar que passou meses confinado em far niente e sem ter recebido  a menor solidariedade das colegas de gênero, todas reservas ou biconas no clube do bolinha.

Para aquecer a audiência, a presidência apelou para uma prisão cenográfica, pondo em risco os próximos capítulos da novela, com a adoção de um vivaldino de estimação, nomeado guardião da verdade, a quem foi conferida indulgência precoce.

Sob pena de travar o jogo por epidemia de mudez por habeas corpus ou virar delegacia de polícia, está na  hora de trocar o treinador.

Já que apareceu também uma lavagem de roupa suja para o chefe da banda se entreter, a moita deve ser desocupada.

Que seja substituído por alguém mais objetivo na condução dos depoimentos.

Quem possa ir direto ao assunto, concluindo em poucos movimentos uma partida, que todos sabem, só vai terminar em xeque-mate no capitão-rei.

Que se adote um modelo prático e resolutivo de interrogatório, como  o que vem sendo contado há mais de 50 anos, pelas capoeiras do agreste potiguar.

Alfredo Augusto de Santana, fazendeiro e deputado estadual era acanhado na tribuna, mas nos bastidores, virava fera quando a verdade, arisca, teimava em não sair da toca.

Usava o know how legislativo para os casos da vida vivida.

Quando uma moçoila, vinda do sítio,  para sob sua tutela, estudar e ajudar a patroa nos afazeres do lar, começou a levar falta nos louvores à padroeira, a Imaculada Conceição, teve amigo linguarudo que notou.

Crente na eterna vigilância como régua da liberdade, os cuidados foram redobrados.

Ao saber de um passeio clandestino, em companhia varonil, por caminhos que não deixam rastros, chamou aos carretéis, o jovem que já havia sido visto pelos arredores, de asas (e quem iria saber, o que mais) levantadas.    

Instaurou o competente inquérito. Rigoroso e privativo.                                  

O mancebo a tudo respondeu.                                   

O footing, de fato, ocorrera.

Houve beijos?

-Tímidos.

Corpos desnudos?

-Sim.

Chegaram  aos finalmentes? 

O acuado dom juan negou, sem muita firmeza.

Pois você é um cabra muito frouxo.                            Se fosse eu, nunca iria perder uma oportunidade dessas.

O justo juiz casou a donzela e batizou a prova do crime de amor.

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A Defesa – Jean-Louis Forain (1852-1931)

Conto a vida diária, mostro o ridículo de certas dores e a tristeza de muitas alegrias.”

2 thoughts on “FALTA ALGUÉM NA CPI

  • Pra maus de bom o texto aqui exposto. Leitura para quem tem bom gosto. Sou muito grato pelos inúmeros favores mas isso não influencia na minha crítica. Se fosse medíocre eu aderiria ao silencio.

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  • Nelson Mattos Filho

    Texto arretado que me faz lembrar contos e fatos de uma Enxu mais bela. Um dia eu conto.

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