MENINOS, EU ESTAVA LÁ
Já se foram 57 anos e parece que foi hontem.
Uma revolução sem o povo nas ruas, sem tomada de Bastilha, montada em brucutus, tanques de guerra e outros quadrúpedes.
Sem ter oferecido ao panteão nacional, um único herói, haveria mesmo de ser rebaixada à categoria de golpe.
Não destes que os conchavos de políticos matreiros usam, acobertados pelos incisos e parágrafos das leis que eles mudam quando querem, para apressar o fim dos mandatos dos eleitos.
O que hoje é motivo de desavença, se deve ou não ser lembrado, já teve o aniversário comemorado com toda a pompa e imperceptíveis protestos do pouco que havia restado da oposição oprimida na clandestinidade e no exílio.
Feriados nacionais, com direito a enforcamentos, precedidos de ensaios para os desfiles estudantis.
Evoluções e dobrados das bandas marciais.
Músicas ufanistas.Patriotismo exacerbado. Doutrinamento em aulas de moral & cívica. Concursos de redações laudatórias.
O povão nas avenidas e praças embandeiradas como todos os sete de setembro.
Políticos, revolucionários de primeira hora e sobreviventes adesistas, perfilados.
Todas as autoridades, incluídas as eclesiásticas, entupindo os palanques, em continência à auriflama da pátria salva das garras do comunismo ateu.
Dos que estão nas faixas etárias prioritárias para a vacina, salvo os esquecidos por psicanálise ou alzheimer, quem dirá que naqueles aplausos não bateu palmas?
Para o menino de onze anos, interno em rigoroso colégio de padres europeus, a 300 kms de casa, as lembranças voltam.
A folhinha não marcava feriado, nem era dia santo de guarda. Na volta da semana santa, a quarta-feira anunciava abril, e as aulas, de novo, suspensas.
Foram alguns dias de portões fechados, sem conversas com os colegas da cidade grande. Sem ver os professores que não usavam batinas.
Dias de muito mais rezas e novenas, além das obrigatórias missas diárias. Orações de agradecimento. E súplica para que os livrassem da guerra civil.
O retorno das disciplinas trouxe novos conceitos que ainda não constavam das fichas amareladas dos mestres.
Estado de sítio, atos institucionais, subversivos, arena, emedebê.
Com a retomada das classes, foram revelados detalhes omitidos pelos clérigos-preceptores.
Soldados armados, amados ou não; tanques de guerra, prisões e pessoas desaparecidas.
Entre os muros do Sagrado Coração, o clima de incertezas passou a ser de contentamento dos padres que anos depois voltariam às passeatas.
Se algum instituto de pesquisa consultou o nível de aprovação, o movimento da redentora deve ter alcançado índices próximo de 100%. Sem margens de erro.
Meninos, confesso.
Com o coração transbordante de alegria e orgulho, eu já comemorei alguns 31 de março.
Levou um tempo para entender esse longa-metragem que ainda não acabou.
A data mal lembrada, para fins de registros históricos, foi antecipada em um dia.
A primeira piada, sem nenhuma graça, da tragicomédia que durou 21 anos, ainda tem maluco querendo recontar em meio à pandemia.
Lembremos de 1964, sim.