26 de abril de 2024
Polícia

O NOVO CANGAÇO

São Jorge combatendo o dragão (1847) – Eugène Delacroix – Museu do Louvre, Paris


Vilas e cidadezinhas bucólicas, do tempo dos nossos avós, são apenas lembranças em fotos manchadas, nos álbuns quase esquecidos.                 

Em qualquer lugar, por mais remoto e tranquilo, o crime se instalou.

Com frequência, variedade e constância.

Não se fazem mais ladrões de galinhas como antigamente.

Seguindo o  rastro dos caminhões trucados, vieram a prostituição infantojuvenil e  as drogas.

Depois, pelas veredas e estradas de terra-batida, menos a lombo de cavalo, e mais em motocicletas de muitas cilindradas, outros malfeitos chegam aos rincões e pés de serra.

Novas relações trabalhistas e programas de transferência de renda, esvaziam propriedades rurais e incham, não só as grandes, mas também as  periferias das pequenas.

Coreias, vietnams, leningrados, sopapos, malvinas, rabos das gatas, são as novas fronteiras da delinquência.

A população ao deus-dará e à pouca sorte.

Aos jovens com limitadas instrução, renda e oportunidades, resta o ócio.

O pai de todos os vícios, e maior empregador rural.

Não se  conversa mais sobre vida campestre, variações do clima, o bonito pra chover, plantio, colheita, animais e festas dos santos.       

Predominam notícias de assaltos, medos, invasões, roubos, tiroteios, explosões de bancos e agências dos correios.

A vida ficou complicada e mais perigosa.

Os novos cangaços, do asfalto e do piçarro,  transferiram  a audiência do Globo Rural para turbinar o ibope do Papinha.

Força policial inoperante, desaparelhada e insuficiente,  é convite, gravado em letras douradas, para a talionato e a formação de milícias.

A troca de um crime por outro, aparece como única e esperada solução, fundada na trinca, salve-se  quem puder, auto-defesa e a culpa concorrente da vítima.

Na estradinha  carroçavel, caminho de pequenos sítios, um caso de duplo estupro desnuda o sentimento de impotência e conformismo:

É nisso que dá.

Uma moto, duas moças.

Outra moto, dois rapazes.

Um trabuco.

Shortinhos na moda.

O meio do nada.

Dois soldados e nenhum cabo.

No cenário da caatinga, o Dragão da Maldade já está preparado para o Amargedom .

Será batalha de morte.

Só o  Santo Guerreiro pode nos salvar.

O rapto de Rebecca (1846) – Eugène Delacroix – Museu Metropolitano de Arte – Nova Iorque

(Com modificações, este texto foi publicado em 3/7/2019, sob o título, Crime na Caatinga)

One thought on “O NOVO CANGAÇO

  • Geraldo Batista de Araújo

    O “aprendiz” está mais para professor. Acho que ele aprendeu lendo o grande Graciliano Ramos, um dos meus preferidos. Parabéns de vera.

    Resposta

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