8 de maio de 2024
Memória

RELEMBRANDO DONA JOANITA

Quem se atreve a pescar nas águas baldeadas da memória já meio cansada, estórias que não merecem ficar no esquecimento,  também pode cometer o pecado venial da repetição. Ou mortal, do plágio.

Involuntários.

Por um átimo de lucidez não fico a dever o principal desta estória, acrescido de juros (daqueles escorchantes), a Ciduca Barros.

Foi ele quem há uns bons anos, pediu-me em nome da família, o nihil obstat para publicar em livro, um caso passado com Dona Joanita, sua cliente no Banco do Brasil, em Nova Cruz.

Mesmo sem nenhuma consulta aos irmãos, fiz o que todos teriam feito. Não só autorizei, como autentiquei e dei fé de ofício ao relato que sem nenhum reparo,  deve ter acontecido  com a excelentíssima senhora nossa mãe.

Era o jeito dela.

Uma das principais protagonistas da história da cidade. Com destacada atuação no comércio, política e vida social.

Era dela o primeiro acolhimento aos novos moradores da cidade que perseguia o progresso, que já recebiam de início, sem comprovação de qualquer garantia, crédito ilimitado para mobiliar e equipar a casa que também ajudava a alugar. Sem cobrança de comissão.

Fazia também o papel de agente de empregos.

Ninguém ficava sem cozinheira, babá, carregador d’água e de balaios de feira.
Sabia recrutar nos sítios, as pessoas certas para cada tipo de família.                   

Única exigência: matrícula escolar e frequência às aulas, para os jovens trabalhadores.

Seus fregueses e beneficiários preferenciais eram funcionários do estado, da mesa-de-rendas, das correntes, oficiais, subs, sargentos, cabos, praças da polícia e principalmente os meninos do banco. Um dos poucos na região.

Em contrapartida, tinha livre acesso para interceder junto às autoridades.                    

Para prender e soltar (soltava muito mais do que prendia).            

Casava quem avançasse o sinal. E batizava os que escapuliam do avanço.                           

Dava bom destino (e passagem para o sul) às sirigaitas que tumultuavam a harmonia dos lares. E reconciliava os casais

Mais um ano de seca braba.
A fazenda sem quase nada produzir, por baixo na política e o comércio fraco, o pendura dos títulos bancários foi inevitável.

Já sem poder mais prorrogar os vencimentos, repetidamente adiados e prestes a receber uma inspeção da auditoria, o gerente apontou que teria que recorrer ao cartório de protestos.

Foi aí que sentiu a reação que nunca poderia esperar da cliente (prime, personnalité)  tão especial:

Se você fizer isso, sua mulher nunca mais arranja uma empregada por aqui.

Os papagaios foram esquecidos no fundo da gaveta, de chave perdida, até a chegada de melhores tempos. E negócios.

                                            ***

Este texto foi publicado originalmente em 08/07/2019

Ciduca Barros e sua mulher Aparecida, faleceram há dois anos, vítimas da Covid

 

Os noivos Lauro e Joanita (1935)

3 thoughts on “RELEMBRANDO DONA JOANITA

  • Fernando Tasso Felix, filho de Roberto Félix que era Fiscal de rendas .

    Olá Domício ! parabéns pelo artigo em homenagem a sua mãe, frequentei muito a casa de D.Joanita na Barra de Cunhau, era muito amigo de seu irmão Laurinho, tenho em mente até hoje aventura que fizemos, ir a pé pra Pipa, você já cursava medicina. Um abraço

    Resposta
  • José Venancio junior

    AMIGO DOMICIO ARRUDA

    SEI QUE SUA MÃE FOU UMA DAS MULHERES MAIS SIMPATICAS E GENEROSAS DO RN. SUA GENITORA MANTINHA PALAVRA, ERA AMIGA, CONSAGRAVA A FIDELIDADE POLÍTICA E AJUDOU E MUITO A CONSTRUIR A ESPERANCA DE NOVA CRUZ E DO RN. UM ABRACO NELA QUE FOI O GRANDE EXEMPLO DE MULHER, BEM COMO A VC QUE O CONHECI NO COLEGIO MARISTA DE NATAL.
    VENANCIO

    Resposta
  • Maria Das Graças Menezes De Menezes Venâncio

    Parabéns pela homenagem a sua mãe. Conheci ela. Trabalhei no projeto da cadeia de hotéis. Nova Cruz foi um dos lugares escolhidos, ainda hoje não entendi porque não foi escolhido. Fui lá levantei ados e almocei na casa da sua mãe uma galinha caipira. Ótima. Ainda hoje sou fã. Depois minha filha Kamila precisou trabalhar para o Ibge e o ponto de apoio dela foi Nova Cruz. Tem umas árvores e bancos bonitos.

    Resposta

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *