30 de abril de 2024
Política

TRETA CONDENSADA

A Leiteira (1660) – Johannes Vermeer – Rijksmuseum, Amsterdã


Há dois anos, acabou em doce frustração, a notícia que poderia ter apressado o impeachment do Presidente da República.

O escândalo, um verdadeiro flagrante-delito, merece passar pelo crivo do tempo.

A denúncia de gastos de  15 milhões de reais com leite condensado, deixava qualquer pedalada no chinelo.

A extrema-imprensa e os lacradores em geral se apressaram a espanar a poeira das facits, para publicar em números, o tamanho do escarcéu.

Quem seria capaz de consumir, em um ano, mais de 2,8 milhões de latinhas de Leite Moça, se compradas cada uma a 5,29 reais (preço de janeiro de 2021), no Nordestão da Salgado Filho?

Não adiantaram as explicações oficiais.

Que os valores nas gôndolas do Portal  da Transparência eram o somatório de todas as compras do governo federal.

Abastecimento das forças armadas, universidades e seus restaurantes,  institutos federais, hospitais, presídios, escolas, repartições e também, as despensas das residências oficias.

Nem Mourão do Jaburu podia dizer que daquele leite não bebeu.

A salinha da copa do Palácio do Planalto entrou na conta e ganhou toda a fama do festim.

E ficaram no ar outras perguntas.

Quantos brigadeiros Dona Michelle conseguia enrolar  na cozinha da primeira família?

Quantas latinhas caberiam enfiadas no rabo da imprensa, destinação sugerida pelo cordato capitão-presidente, sob aplausos do finíssimo chanceler que logo depois, virou pária?

As dulcíssimas cenas dos cafés da manhã, na pré-temporada presidencial, no Vivendas da Barra, estavam vivas na memória.

Uma mesa sem toalha, forrada de farelo e restos de pão, talheres espalhados, uma  garrafa térmica, de plástico (Invicta)  e a inconfundível latinha de leite condensado, fizeram do candidato eleito, o mais popularesco chefe de governo de transição, como nunca neste país, jamais houve.

Para justificar tanto consumo, só se o ritual de deixar o espesso creme escorrer na banda do pão francês, tivesse se transformado em vício.

Até assumir a forma melequenta, mantendo o mesmo nome do precioso líquido branco, e servir de assunto para editorial de jornalão, o que se ordenha do úbere da vaca e se enlata, percorreu  uma longa história.

Data do início do século XIX a procura por um processo que conservasse a bebida que todos se acostumaram a buscar na fonte, nos seios maternos,  para depois de velhos, descobrirem-se intolerantes à lactose.

A retirada parcial da água e a adição de açúcar, associadas às técnicas de esterilização e embalagem que surgiam, tornaram as latinhas que hoje contêm 395 g, um sucesso duradouro.

Guardando intactas as características e gosto, não faltou na dieta dos soldados em todas as guerras, começando pela da Secessão.

O agora ex-presidente acidental deve ter adquirido o hábito na caserna, entre um salto e outro, nas comemorações das aberturas dos paraquedas.

Daí se dizer que lambuzava toneladas no pãozinho francês, ia um imenso exagero.

Quem divulgou e repetiu a informação sobejada, não recorreu antes, às agências de fact-checking, nem  corrigiu, depois, o desmedido buxixo

A velocidade como os assuntos mudam de posição no ranking e nos trending topics, já estava a exigir matéria mais nova. E estapafúrdia.

O perigo, é que a imprensa investigativa – agora posicionada à direita – resolva medir em centímetros ou metros, todo o papel higiênico comprado para uso na idosa bunda presidencial, antes que sujem os novos sofás da casa da Janja.

Moça dormindo (1657) – Johannes Vermeer – Metropolitan Museum of Art, MoMa, Nova Iorque

(Texto baseado em publicação original de 21/01/2021)

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