1 de maio de 2024
Memória

VIAGEM COM O SENADOR

Carruagem de terceira classe – 1858 – Museu de Belas Artes de São Francisco, Estados Unidos


Houve um tempo que os políticos andavam de avião, sem medo.

De serem agredidos aos gritos e impropérios, filmados e exibidos no jornal do horário mais nobre da TV,  com dedos médios em riste.

E em close, de encher uma tela de 60 polegadas, no primeiro plano.

A  análise  das articulações envolvidas na linguagem dos sinais,pode ajudar na identificação dos agressores gestuais.

Das falanges médias sobre as proximais dos indicadores, anelares e mínimos que são habituais nos nordestinos,  diferente quando utilizadas as metacarpofalangeanas, dos sulistas, costume trazido pelos europeus.

As viagens aéreas eram longas, pelas escalas obrigatórias.

Perigosas para os tementes de pousos e decolagens.

Para compensar o período entre o amanhecer no trampolim da vitória e o por do sol na cinzura da pauliceia desvairada, os passageiros eram submetidos a regime de  engorda, com direito a open bar e muitas doses de uísque, na generosa medida  das aeromoças.

Congressos médicos, quando dispensavam o sacrifício das consortes acompanhantes, tinha mais importância científica, se além a maratona de palestras, mesas redondas e cochilos nos auditórios, incluísse uma farra na ida e outra na volta.

A doze mil pés de altitude, no avião que quanto mais atrasasse, melhor.

As turbinas eram sempre reaquecidas nas conexões, e os tanques abastecidos em latinhas de cerveja.

Tudo para espantar a paúra.

Azar de quem ocupasse a cadeira do meio, entre dois animados e falastrões colegas.

Mesmo quem nunca pôde reclamar que viajava espremido.

Por ter 60 quilos distribuídos em 1,88 de altura e o mesmo destino, em outro congresso, na última parada na capital federal.

A figura longilínea, apelidada de mapa do Chile, presença constante na crônica política por tantos cargos importantes, não foi reconhecida, pelo Dr. Rubens Lisboa, dublê de Urologista e Prefeito de Goianinha.

O nobre senador, em seu último mandato, não teve paz para concluir o discurso que começou a rabiscar ainda com o pássaro de ferro batendo asas sobre o Capibaribe.

A insistência para compartilhar com os companheiros de romaria, o néctar de baco, foi atendida  com o chacoalhar do gelo na mineral sem  gás.

Na apresentação, o rico currículo de  Marco Maciel,  deputado, senador, governador e oito anos vice-presidente da república, só chamou a atenção pela passagem como  Ministro da Educação e Cultura.

O burgomestre do agreste potiguar não dava férias à luta pelas melhorias para seus munícipes.

Pediu ajuda em futura incursão administrativa.

Ganhou um cartão de visitas.

Contou das dificuldades de circular nos labirintos do poder e na solidão do planalto.

Recebeu a desculpa que um parlamentar da oposição, poderia atrapalhar os contatos com o governo.

Ao recolher a bagagem de mão, o experiente político pernambucano ficou mudo com a última tentativa vinda da etílica boca,  já meio godê:

Senador, seu prestígio no MEC ainda  dá pra descolar umas verbinhas pra minha cidade.

 

Vagão da Terceira Classe (1864) – Honoré Daumier – Galeria Nacional do Canadá, Ottawa


(Texto postado originalmente em 12/6/21

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *