26 de abril de 2024
Coronavírus

CARROSSEL HOLANDÊS

4270B473-6862-478E-95C6-FAEC202C38A4A boa morte já está sendo discutida e praticada mas ninguém ousa ultrapassar os limites do tabu.

E pouco se fala nela.

As próprias entidades médicas tratam do assunto, permitem e até participam de elaborações de protocolos e manuais de condutas, sem nomeá-la.

A pandemia entre todas as mudanças que já provocou e haverá ainda de trazer, obriga que o assunto guardado debaixo de montanhas de pedras que ao longo da história têm sido colocados sobre ele, apareça entre os  escombros do terremoto.

O que explica que um país riquíssimo, com população uniforme e educada, com renda e indicadores de desenvolvimento invejáveis, assistência médica universal de excelente qualidade, território pequeno, tenha um desempenho pelo menos dez vezes pior que o Brasil.

É este o comparativo percentual de óbitos pela Covid-19, na Holanda.

Este fato não atrai muita atenção talvez porque sua sociedade aceite com naturalidade o que em outras culturas é temática proibida.

A única certeza em nossas vidas, fica sempre para  se pensar depois.

E de falar, nem pensar.

Ao lado da vizinha Bélgica, de Luxemburgo, Canadá e Colômbia, os Países Baixos são dos poucos em todo o mundo que têm leis que regem os últimos dias e desejos dos seus cidadãos.

As escolhas que as equipes médicas têm feito onde os recursos da assistência entram em colapso, terão consequências depois que a pandemia for controlada.

Onde a destruição é maior, o abrandamento das medidas restritivas ao funcionamento normal em sociedade é motivado por um pensamento não verbalizado.

A ocorrência de uma seleção.

Aceitada. Consentida. Conformada.

Está bem estabelecido quem são as vítimas preferenciais.

A mais perversa doença de todos os séculos é também iníqua.

Desigual e seletiva.

90% dos atingidos fatalmente, são idosos doentes.

Entre a minoria, dos mais jovens, quando acometidos,  resistem melhor e já se questiona se os que não o fazem, têm alterações do sistema imunológico ainda não detectadas.

A aceitação da finitude é muito mais natural onde é comum uma pessoa, em qualquer idade, por ameaça de mal incurável ou pela convicção de já ter vivido o bastante, reunir as pessoas mais chegadas, anunciar uma longa viagem, fazer as despedidas e partir.

Há dois anos um holandês ao repetir uma cerimônia do cotidiano, reacendeu a discussão com sua estória que rodou o mundo.

Sem nenhuma doença grave nem diagnóstico sombrio, em perfeita lucidez, reuniu a família, pais, irmãos, primos, o melhor amigo e um pastor.

Depois de jantarem os pratos e o vinho preferidos e de uma oração, um médico injetou uma substância letal na veia do anfitrião.

Em menos de um minuto, ele adormeceu e parou de respirar.

Sem sofrimento, sem dor.

Aos 41 anos, divorciado e com dois filhos pequenos, depois de várias internações em clínicas de desintoxicação, sem conseguir controlar a dependência ao álcool, ele e seu médico chegaram à conclusão que aquele padecimento era insuportável.

Mais uma pergunta que nos deixa o coronavírus:

Por que não se fala sobre a hora d’Ela?

E por que não antecipá-la, quando inevitável ou desejada?

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