MÉNAGE À TRISAL
Corria a temporada pré-carnavalesca de 2020, e uma pandemia ainda não reconhecida pela Organização Mundial da Saúde, varria o mundo.
O sofisticado Carnaval de Veneza havia sido suspenso, mas governantes, ouvidos os conselhos do Tio Dráuzio, continuaram dando as chaves das cidades e dos cofres públicos aos regentes perdulários da folia.
Naquele ano, sem sobrar nenhum general de pijama desempregado, a banda seria comandada por uma nova rainha.
Com pulso forte, sua majestade, a ditadura do politicamente correto, usurpou o trono de Momo, decretando o fim dos recalques e preconceitos.
Para se divertir, teria de ser de cara limpa ou com folha corrida e atestado de bons antecedentes.
Não do folião. Da fantasia.
Nada que pudesse lembrar raças, etnias, preferências sexuais, características físicas, seria permitido.
Nêga maluca, tá maluco?
Mulata, nem movida a rivotril.
Preta pretinha, era melhor esquecer a música dos velhos baianos.
Saci, ele e nenhum companheiro estereotipado da Turma do Pererê, sairiam mais da Mata do Fundão.
Índios, de forma alguma.
Nem cariris nem guaranis. Muito menos, os de barba e bigodes.
A FUNAI sempre vigilante.
Uma belíssima atriz, foi a uma prévia, vestida mais pra Apache que Potiguara e já quase pelada, por pouco não foi também escalpelada.
Bin Laden, sheik árabe, odalisca, aiatolá, Moshe Dayan, nem de tapa-olho, nem de tapa-mamilo.
Nada que lembrasse explosões nem contribuísse para aumentar o efeito estufa no Oriente Médio.
Escravos de Cleópatra, há tempos estavam proibidos, até em festinhas de colégio de elite.
Me dá um dinheiro aí?
Ninguém mais acreditava na pindaíba de quem acabou de receber o décimo-terceiro do bolsa-família.
Dentuço, só com alvará do sindicato dos protéticos.
Gordinho, iriam pensar em treta com o deputado Botafogo, aquele que apeado do pódio, não encontrou mais vaga, nem no baixíssimo clero.
La Ursa, o IBAMA não permitia. Mesmo as polares, ou mineiras, deportadas por Trump.
Travestis, só nas próprias paradas deles, delas, dos simpatizantes e dos outres.
Que não dava pra saber se era permitido a quem mudou de sexo, sair fantasiado do antigo.
Nem quem gozava quem.
Ou versa, visse?
Sobravam as clássicas indumentárias estabelecidas desde o século XVI.
Primeiro, na Itália.
Depois por tudo que é canto onde tenha uma prefeitura com grana sobrando pra bancar a farra.
Não fosse a resiliência dos que não deixam a alegria morrer, e mesmo entre as quatro paredes de um gabinete oficial, dois anos de pandemia também teriam sepultado as melhores tradições da galhofada
Pois não é que uma Colombina, com esse ridículo nome de pombinha, jurisconsulta e alpinista social, fisgou o depressivo Pierrot, chefe da edilidade, sem deixar a paixão contagiante pelo antigo companheiro, Arlequim?
Mesmo com o FPM e a cheia do Bujari atrasados, para eles, o entrudo não faz lockdown.
Vai ter Carnaval.
Vai ter Trisal, sim.
Evoé!