26 de abril de 2024
CarnavalCoronavírus

MÉNAGE À TRISAL

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Jean-Antoine Watteau – Pierrot (1719) – Musée du Louvre, Paris


Corria a temporada pré-carnavalesca de 2020, e uma pandemia ainda não reconhecida pela Organização Mundial da Saúde, varria o mundo.

O sofisticado Carnaval de Veneza havia sido suspenso, mas governantes, ouvidos os conselhos do Tio Dráuzio, continuaram dando as chaves das cidades e dos cofres públicos aos regentes perdulários da folia.

Naquele ano, sem sobrar nenhum general de pijama desempregado,  a banda  seria comandada por uma nova rainha.

Com  pulso forte, sua majestade, a ditadura do politicamente correto,  usurpou o trono de Momo,  decretando o fim dos  recalques e preconceitos.

Para se divertir, teria de ser  de cara limpa ou com  folha corrida e atestado de bons antecedentes.

Não do folião. Da fantasia.

Nada que pudesse lembrar raças, etnias, preferências sexuais, características físicas, seria permitido.

Nêga maluca, tá maluco?

Mulata, nem movida a rivotril.

Preta pretinha, era melhor esquecer a música dos velhos baianos.

Saci, ele  e nenhum companheiro estereotipado da Turma do Pererê,   sairiam  mais da Mata do Fundão.

Índios, de forma alguma.

Nem cariris nem guaranisMuito menos, os de barba e bigodes.

A FUNAI sempre vigilante.

Uma belíssima atriz, foi  a uma prévia, vestida mais pra Apache que Potiguara e já quase pelada, por pouco não foi também escalpelada.

Bin Laden, sheik árabe, odalisca, aiatolá, Moshe Dayannem de tapa-olho, nem de tapa-mamilo.

Nada que lembrasse explosões  nem  contribuísse para aumentar o efeito estufa no Oriente Médio.

Escravos de Cleópatra, há tempos estavam  proibidos, até em festinhas de colégio de elite.

Me dá um dinheiro aí?

Ninguém mais acreditava na pindaíba de quem acabou de  receber o décimo-terceiro do bolsa-família.

Dentuço, só com alvará do  sindicato dos protéticos.

Gordinho, iriam pensar  em treta com o deputado Botafogo, aquele que apeado do pódio, não encontrou mais vaga, nem no baixíssimo clero.

La Ursa, o IBAMA não permitia. Mesmo as polares, ou mineiras, deportadas por Trump.

Travestis, só nas próprias paradas deles, delas, dos simpatizantes e dos outres.

Que não dava pra saber se era permitido a quem mudou de sexo, sair  fantasiado do antigo.

Nem quem gozava quem.

Ou versa, visse?

Sobravam as clássicas indumentárias estabelecidas desde o século XVI.

Primeiro, na Itália.

Depois por tudo que é  canto onde tenha uma  prefeitura com grana sobrando pra bancar a farra.

Não fosse a resiliência dos que não deixam a alegria morrer, e mesmo entre as quatro paredes de um gabinete oficial, dois anos de pandemia também teriam sepultado as melhores tradições da galhofada

Pois não é que uma Colombina, com esse ridículo nome de pombinha, jurisconsulta e alpinista social, fisgou o depressivo Pierrot, chefe da edilidade, sem deixar a paixão contagiante pelo antigo companheiro, Arlequim?

Mesmo com o FPM e a cheia do Bujari atrasados, para eles, o entrudo não faz lockdown.

Vai ter Carnaval.

Vai ter Trisal, sim.

Evoé!

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Tarsila do Amaral – Carnaval em Madureira (1924) – Acervo Fundação José e Paulina Nemirovsky, São Paulo, Brasil
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Heitor dos Prazeres (1898, Rio de Janeiro, RJ – 1966) – Carnaval nos Arcos, 1965 –  coleção particular
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Joan Miró – Carnaval do Arlequim (1925) – Albright-Knox Art Gallery, Buffalo, NY, USA
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Pierre-Auguste Renoir – o Pierrot Branco (Jean Renoir), (1902)– Detroit Institute of Art, Detroit, USA

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