26 de abril de 2024
Comportamento

TEMPO BOM PARA GOLPE

Os Trapaceiros (1594) – Caravaggio – Museu de Arte Kimbell, Fort Worth, Texas

Surfando as sucessivas ondas das contaminações, misturadas às cepas, novas variantes e outros dejetos, uma profissão chegou na frente, em maré de lucros abundantes e fáceis.

A lei da procura, pouca oferta e material médico-hospitalar escondido, fizeram da espiral de aumento dos preços, o ambiente perfeito para aproveitadores e vivaldinos

Junto com as previsões dos especialistas em multiplicar catástrofes, chegaram os   experts em tudo, incluídos os exterminadores de vírus chineses e nova-iorquinos.

Em tempos de pressa e dinheiro para a saúde, como nunca houve, surgiram ofertas de tudo que se podia imaginar, até hospital pronto, para ser montado nas nuvens.

Uma estória de um ardiloso golpe, contada há dois anos, mostra que a burocracia estatal é meio de cultura, onde crescem fascinantes personagens.

Há quem defenda que penas aplicadas aos estelionatários deveriam ser abrandadas, na proporção da criatividade dos meliantes.

Alguns são  especialistas em aplicar golpes em secretários de saúde.

Por serem acontecimentos recorrentes, sempre que uma nova leva de futuros réus por falência do sistema chega à Brasília para reuniões periódicas,  o alerta não falta, mas sempre surge um trambique inédito para perpetuar a espécie.

O novo auxiliar da Governadora (professora, ainda de origem não popular) nem tinha esquentado a poltrona.

Havia voltado da primeira viagem à capital federal, quando recebeu telefonema do colega pernambucano.

Foram tantas apresentações daquela gente nova na corte, que pouco lembrava da fisionomia quanto mais, da voz ao telefone.

Era um convite para almoçarem juntos na sexta-feira.

Disse que passaria o fim de semana com mulher e filhos  em São Miguel do Gostoso. Numa viagem tão longa, uma parada em Natal era estratégica.

Aproveitaria o repasto para apresentar seus projetos para ações que beneficiariam os demais estados nordestinos.

Tinha até algumas dicas de como conseguir mais recursos no ministério.

Logo, a agenda do secretário foi bloqueada e uma mesa reservada num restaurante de frutos de viveiros de pesca e fama.

Perto da hora combinada, uma chamada do viajante.

Estava em Goianinha, mas um contratempo provocava pequeno atraso.

Um tanto aflito, sem ter pensado em outra solução, disse estar até sem jeito de pedir um favor.

Seu carro apresentara defeito,  mas já havia sido consertado.

Na hora de pagar o serviço, o mecânico não trabalhava com cartões de crédito e os gênios do Banco Central ainda não haviam bolado o onipresente pix.

O dinheiro em espécie era insuficiente, como quase todo mundo, não usava mais  talão de cheques  e  o caixa eletrônico da cidade não atendia ao seu banco.

A solução era uma transferência bancária para a oficina e quando voltasse ao Recife, o valor seria devolvido.

O secretário, para alegria dos auxiliares do gabinete, avisou que não voltaria mais naquele dia. Expediente encurtado, facultativo, como sói acontecer nas ausências do chefe.

Pit stop na boca do caixa, e vôo rasteiro, direto para o local combinado.

Tudo conforme acertado, mas o deselegante novo amigo  não apareceu para  o compromisso.

O ingrato nunca agradeceu o obséquio, nem restituiu o empréstimo.

A Advinha (1594) – Caravaggio – Museus capitolinos, Roma

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *