2 de maio de 2024
Opinião

Justiça tem a sua segunda chance depois da LavaJato

Roda Viva – Tribuna do Norte – 14/o623

Antes que tivesse havido algum questionamento sob qualquer aspecto do Poder Judiciário, vivendo ainda um período de idílio com a opinião pública brasileira, em junho de 2021, na “república de Curitiba”, o Ministério Público Federal, convocou a imprensa, representada pelos seus veículos mais expressivos, para divulgar uma “novidade”:

–  A operação Lava Jato (que começava a apresentar os primeiros sinais de fadiga) havia atingido a marca de R$ 6 bilhões devolvidos aos cofres públicos por meio de acordos de leniência e delações premiadas.

Não houve contestações.

Nem mesmo para lembrar que aquele valor, no entanto, não representava nem 5% do prejuízo que a própria Lava Jato, criada para investigar esquemas de corrupção na Petrobras, pode ter causado à economia do país.

A Lava Jato tinha o apoio de todos, e o resultado compartilhado com todo o Poder Judiciário.

MAIOR QUE A SELEÇÃO

Nem mesmo a Seleção Brasileira – nos seus melhores momentos – conseguiu uma torcida tão coesa, disciplinada e eficiente como a que apoiou a Operação Lava Jato no combate à corrupção e ainda enaltecer os seus “heróis”.

Se alguém fez a outra conta, esta não havia sido apresentada ao respeitável público; a outra coluna dessa conta,  o“haver” e nada do “dever”.

O tamanho dessa conta; o valor do seu custo; do prejuízo, não sensibilizaram ninguém. Agora se sabe que o badalado bônus não dá nem 5% do prejuízo que a própria Lava Jato, havia criado para investigar esquemas de corrupção na Petrobras, causou à economia do país.

E os méritos da Lava Jato eram distribuídos irmãmente para todo o Judiciário, especialmente, no que se refere a remuneração dos seus integrantes.

O  rombo é calculado, hoje, em aproximadamente R$ 153 bilhões, mais de 25 vezes o valor recuperado, segundo estudos feitos pelo Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), pela CUT (Central Única dos Trabalhadores) e pelo Ineep (Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis).

Outros US$ 853 milhões foram pagos pela companhia estatal em multas aplicadas nos Estados Unidos.

BENEFÍCIOS INDIRETOS

Ninguém relacionou o aumento dos custos do Poder Judiciário ao longo do idílio vivido com os brasileiros nos últimos seis anos, em razão do combate à corrupção que terminou se transformando em benefícios diretos e indiretos para todos os integrantes do Judiciário.

Valendo repetir a palavra de Gil Castelo Branco, secretário-geral da ONG Contas Abertas: “Os privilégios do Judiciário são intocáveis. Esses privilégios, históricos, são plenamente legais porém são injustos e imorais. Até porque beneficiam apenas uma casta”.

Os números são do Conselho Nacional de Justiça, referentes aos últimos seis anos, merecendo o registro que o período de recesso está previsto na Lei Orgânica da Magistratura e pode servir na prática, como adicional de rendimentos: – O custo de parte das férias (60 dias) dos magistrados atingiu a marca de R$ 3.5 bilhões na compra de férias de juízes, desembargadores e ministro das Cortes Superiores.

UMA SUPER OPERAÇÃO

A Lava Jato foi deflagrada em 17 de março de 2014, quando a Polícia Federal cumpriu os primeiros mandados de prisão contra 17 pessoas, entre elas, o doleiro Alberto Youssef, acusado de comandar um esquema de propinas em contratos entre empreiteiras e a Petrobras.

Até outubro de 2018, foram 1.072 mandados de busca e apreensão, 227 mandados de condução coercitiva, 120 mandados de prisões preventivas, 138 mandados de prisão temporária e 6 prisões em flagrante. O mesmo balanço aponta 176 acordos de delação premiada, 11 acordos de leniência (espécie de delação premiada voltado para empresas), resultando em 215 condenações de 140 pessoas.

Com o juiz Sérgio Moro no comando – e ampla divulgação pelos principais meios de comunicação que lhe garantiram total apoio – a Operação Lava Jato até pareceu, em alguns instantes, maior do que o Poder Judiciário, visto na época como uma espécie de “partido contra a corrupção” que contava  com o apoio e aplausos  de mais de 70% da população.

SEGUNDA CHANCE

O decano do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, afirmou que os diálogos entre os procuradores e entre estes e Moro, tornados públicos, mostra que a Justiça brasileira viveu momentos que exigiam “reparos imediatos”.

Dizendo-se ainda chocado com as revelações sobre as práticas da autodenominada “força-tarefa da lava jato”, trazidas ao mundo no curso de apelidada operação “spooing”  o ministro Gilmar Mendes, do STF,  defende que o Poder Judiciário brasileiro depois disso, viveu uma espécie de refundação. Segundo ele, uma ampla reformulação ainda é necessária para que não volte a ocorrer uma relação tão promíscua quanto a estabelecida entre os procuradores do “consórcio de Curitiba” e o ex-juiz Sergio Moro.

Gilmar, porém, acredita que o escândalo protagonizado por Moro, Deltan Dallagnol e sua turma ainda pode ser o estopim para impulsionar uma necessária transformação no Judiciário do Brasil. “Os fatos estão nos dando uma segunda chance, e isso é muito raro.”

 

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