30 de abril de 2024
Memória

A ESTRANHA LÍNGUA POTIROCA

 

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O Estranho (1958) – Hughie Lee-Smith – Museu Smithsonian de Arte Americana, Washington.


Não são mais gastos 80 dias numa volta ao mundo.

Em segundos, pode-se ir de Ceca a Meca.

Em 8 minutos, se vai (e volta), ao espaço sideral.

A pandemia diminuiu o tamanho do nosso planeta, mas as distâncias não ficaram menores.

O bater das asas de uma  borboleta em Wuhan foi sentido no nosso quintal.

O que aumentou, não conseguimos ainda medir as dimensões.

A não ser o medo.

Das pessoas desconhecidas. Dos estrangeiros. Dos viajantes. De quem leva e traz o mal invisível.

Brasileiros, com nossos números, curvas e recordes, fomos  evitados em muitos países.

Com a vacina, estamos voltando, timidamente, a cruzar fronteiras.

As próximas férias ainda serão domésticas. E é melhor que se revisem conhecimento de outros idiomas, além do inglês básico para turistas.

É um dom dos deuses. Falar outras línguas, sem nunca tê-las estudado.

Há quem acredite que a criação divina terá atingido a perfeição quando todos os homens e mulheres estiverem se comunicando sem as barreiras dos idiomas.

Pela celeridade dos avanços tecnológicos, este dia está bem próximo. Se já não chegou.

Basta ver a quantidade de tradutores instantâneos de voz, anunciados para  vendas online.

Os gadgets obram milagres. Mesmo sem a intercessão dos espíritos. Santos ou dissimulados.

Como todas as  novidades, são negócios da China.

Ou da Coreia.

Sempre vindas de tão  longe,  carecem de adaptações para uso nos trópicos.

Talvez, resquício de preconceito contra nortistas, nenhuma startup desenvolveu ainda um módulo  para  comunicação em carioquês. Sem pesquisa de mercado, não atentou-se para a dimensão do potencial deste  público.

Muita gente aprendeu, assimilando o Método Globo,  usado para quem iria aparecer, chiando, na telinha da afiliada, passou para o cativo público e já estamos na segunda geração de potirocas.

Canguleiros com sotaque do Leblon.

Em priscas, dividindo os espaços nos frontispícios das casas com anúncios de Vende-se dindim, era frequente encontrar  a plaquinha, Ensina-se carioca.

Quantos paus-de-arara não escaparam de bullying depois dos cursos de imersão que antecediam as viagens em busca dos emprego no sul-maravilha?

O médico-residente aumentou seu capital de habilidades  com a interpretação das queixas e sintomas dos conterrâneos, atendidos no hospital do Rio.

Na visita à beira do leito, o paciente com lesão na região dorsal é solicitado a ficar de bruços.

Nenhum movimento. Cara de quem tinha ouvido alguma coisa em grego. Ou troiano.

Foi aí que o intérprete pediu e o paraíba (terá sido baiano?) prontamente atendeu.

Emborcou.

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(Tema publicado em 28/06/2019, revisitado)

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Despedida (1994) – Hughie Lee-Smith – Museu Metropolitano de Arte, Nova Iorque
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Menino com pneu (1952) – Hughie Lee-Smith – Instituto de Artes de Detroit, Michigan

 

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