O SHOW DA URNA
Entre todas as incertezas que acompanham a pandemia, a mais intrigante está em curso, com data certa para acabar.
Mesmo os que defendem a flexibilização do isolamento e distanciamento, não clamam pela liberação total das aglomerações.
Os argumentos são voltados, basicamente, para a retomada das atividades econômicas.
Os que já retornaram, respeitam as medidas preventivas. Restaurantes retiraram mesas dos seus salões e o comércio controla a entrada dos clientes para que a nova capacidade de lotação não seja excedida.
Curiosamente, a regra não é seguida em um dos setores mais regulamentados.
Dispondo de rígidos mecanismos de controle, e estrutura invejável e cara, a justiça eleitoral lavou as mãos para as maiores ocorrências das violações das normas sanitárias.
Passeatas enchem as ruas das cidades e continuam sendo os mais acreditados preditores dos vencedores, mais do que as pesquisas. Manipuladas, dirigidas, ou não.
Deixar a decisão e as autorizações a critério dos prefeitos, incluídos os que disputam reeleição, é soltar o galinheiro todo na loja de cristais.
Macacos e raposas sabem que o feio é perder.
A quatro meses da maior festa popular, os organizadores dos desfiles de carnaval já suspenderam os preparativos.
Sem turistas, ensaios nem apoio dos governos pentecostais, não tem como animar a folia.
Afastados do trabalho e carentes da fama sazonal, os carnavalescos descobriram um filão promissor para gerar ocupação, renda e votos.
Em todas as comunidades (políticas) a nova onda é a absorção dos elementos das escolas de samba nas manifestações partidárias.
Desde que foram proibidos os showmícios não se via tanta euforia como agora.
O show e o comício continuam. Separados e misturados.
Os espetáculos desceram dos palcos e palanques e são mostrados em movimento, na dança. No pé. Ao som das lambadas imortais.
Fantasias, alegorias e evoluções debocham dos adversários; as músicas (?) estridentes dos paredões de som, liberam adrenalina e a militância escondida.
Logo em seguida, no melhor dia pra agitar, na véspera da feira, o outro lado dá a resposta.
Em outras cores.
E a refrega segue até a eleição.
Mesmo com relatos de agravamento da pandemia, o espetáculo de luz e som incentiva o relaxamento das medidas protetivas de quem só externava a preferência eleitoral, à distância e de máscara da cor do partido.
Ainda dá tempo do espetáculo cívico ser normatizado, sem infrações à lei Maria vai com as outras.
Sem prejuízos para a preservação das alas-moças, poderão participar das passeatas, os candidatos a vereador. Na comissão de frente.
Os nossos futuros prefeitos e vices deverão se apresentar em carro aberto, tipo buggy.
Só serão permitidos acenos e sorrisos sinceros. Vetados, contatos físicos, apertos de mãos e abraços.
Os adereços serão confeccionados com isopor. Para não serem usados como armas contra os adversários que provocam nas esquinas e sopés das ladeiras.
As máscara poderão trazer os números dos candidatos mas não deverão ser retiradas.
Menos quando for para o uso de álcool.
Em doses.
Distribuídas pela carroça, último carro que fecha o cortejo.
Em frente ao cemitério.