27 de abril de 2024
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Direito de advogar

A grande quantidade de profissionais do Direito que escreveram ao Blog Poder Judiciário ou que me telefonaram para discutir sobre a nota: “A quem interessa o Exame da Ordem??” me fez voltar a abordar o assunto. Encontrei ontem um artigo de um advogado do Maranhão, publicado na Revista Consultor Jurídico, que aponta vários motivos para acreditar que o exame da Ordem é injustificável. Confira na íntegra o artigo do advogado Carlos Nina.

O exame da OAB é injustificável

Por Carlos Nina

Graças à determinação de bacharéis em Direito inconformados com os resultados do Exame de Ordem e sua convicção de que tal exigência é inconstitucional, apesar de ser norma da lei federal 8.906/94, referido exame tem sido questionado judicialmente e cresce o número de juristas e autoridades que, enfim, conseguem ver a lógica, a pertinência e a procedência das razões dos inconformados. Caso recente é o do Subprocurador-Geral da República, Rodrigo Janot Monteiro de Barros, em manifestação no Recurso Extraordinário 603.583, que tramita no STF. Alguns já vêem, também, o que está por trás do Exame da Ordem.

Os argumentos de quem defende o Exame são, no mínimo, simplórios e falaciosos. Três deles são os seguintes: 1º) está previsto em lei; 2º) os cursos de Direito diplomam bacharéis sem a devida qualificação; 3º) para ingresso nas carreiras de Magistrado, Promotor de Justiça, Defensor Público e outras do serviço público os bacharéis se submetem a concurso. Tais argumentos, para quem tem noções mínimas de Direito, só se explicam de três formas: desconhecimento, equívoco ou má-fé.

O fato de estar previsto em lei não significa que seja constitucional. Tanto que no ordenamento jurídico brasileiro existem mecanismos para combater e revogar normas inconstitucionais, inclusive as contidas em lei, de qualquer nível ou natureza. Nenhuma norma está imune ao controle de constitucionalidade.

A lei federal 8.906/94 condiciona o ingresso dos bacharéis em Direito à aprovação em Exame de Ordem. Contudo, os bacharéis em Direito são diplomados para a carreira jurídica. Se não são devidamente qualificados, não cabe à Ordem nem a ninguém mais recusar a validade desse diploma, se não o contestaram na origem. Não se trata de ato nulo, mas revestido da mesma legalidade – só que, neste caso, constitucional – que é atribuída ao Exame de Ordem. Este, sim, inconstitucional, porque impõe uma condição que contraria não só a garantia constitucional do direito ao trabalho, mas três dos cinco fundamentos da República, anunciados no primeiro artigo da Constituição: cidadania, dignidade da pessoa humana e valores sociais do trabalho.

O argumento que busca referência no concurso público chega a ser hilário, se não ofensivo, porque insulta a inteligência de qualquer pessoa informada. Aquelas carreiras são públicas e, na República, o ingresso em qualquer delas, inclusive para as que exigem apenas conhecimento de primeiro ou de segundo graus, é condicionado à aprovação em concurso público.

A advocacia não é uma carreira, nem uma atividade pública. É uma atividade privada. Logo, não há um mínimo de decência nessa comparação. O que o concurso público faz é uma seleção constitucional, para garantir que todos possam disputar em igualdade de condições o número de vagas existentes para o cargo a que se destina. No caso da advocacia privada, não há limite de vagas.

O bacharel em Direito porta um diploma que, se não foi questionado, o habilita para a advocacia, exceto a pública, para a qual há de submeter-se a concurso público. O Exame, portanto, é inconstitucional.

Ainda que não se tratasse de equívoco, desconhecimento ou má-fé e que o discurso dos defensores do Exame tenha sincera motivação de defesa da sociedade contra maus profissionais, já são decorridos 17 anos desde a vigência da lei federal 8906/94, que impôs tal exigência, para corrigir a deficiência das faculdades. E o que a Ordem fez contra esse estelionato?

Tem-se conhecimento de que a OAB, no plano nacional e nos Estados propõe inúmeras ações em defesa de segmentos alheios ao universo jurídico. Cobra e ajuíza medidas visando mudanças no processo eleitoral da República, em normas tributárias, em defesa de direitos humanos, mas nada, absolutamente nada fez ou faz contra as faculdades que, segundo a própria Ordem, diplomam quem não estaria qualificado. Essa omissão da Ordem é equívoco, desconhecimento ou má-fé? O que está por trás dessa conduta?

O Exame da Ordem não é a via adequada para defender a sociedade dos maus profissionais. O Exame apenas veda a entrada no mercado de milhares de pessoas que viriam aumentar a concorrência e levar à sociedade a oferta de melhores serviços, segundo irrevogável lei de mercado. A manutenção do exame é exatamente o contrário. É reserva de mercado. Constitui uma inesgotável e crescente fonte de renda para a Ordem, em taxas de inscrição, mensalidades e remuneração, no Exame e em cursos preparatórios.

Não é o Exame da Ordem que vai defender a sociedade dos maus advogados. Tal argumento, aliás, contraria o princípio da inocência e pretende desviar a atenção do que realmente deveria ser feito para defender a sociedade dos maus profissionais: processá-los e puni-los, sem privilégio para quem seja amigo do rei.

Carlos Nina é advogado no Maranhão.

Revista Consultor Jurídico, 1º de agosto de 2011

 

2 thoughts on “Direito de advogar

  • Botelho

    Ridículo, absurdo, indefensável, grotesco e aberratório. Poucas vezes na vida li palavras tão destituídas de razão como o texto que isso aí que se intitula advogado e ser humano escreveu não por equívoco ou desconhecimento, mas por pura e clara má-fé. Felizmente, para toda a sociedade, a OAB permanece como o único conselho de classe a combater a farra dos pseudo advogados. É extremamente justa a punição a um filhinho do papai ou incapacitado qualquer que leva cinco anos na brincadeira nas faculdades para depois quebrar a cara na rigorosa peneira, achando que pode advogar somente porque o papai tem dinheiro para a mensalidade. Que os outros conselhos (CRO, CRM, CREA etc.) sigam o exemplo e criem leis “inconstitucionais” como a do exame de ordem, para o bem de todos. E que “escritores” como isso daí de cima tenham vida breve.

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  • Hélio Dourado

    Apesar de ser inscrito na OAB, eu não exerço a advocacia há anos, nem voltarei, muito provavelmente, a exercê-la. Portanto, creio que não posso ser rotulado de corporativista. Ninguém sai da faculdade com o direito inato de advogar. Isso é esclarecido aos alunos nos primeiros dias de aula (ou, ao menos, espera-se que seja). A pessoa termina o curso com o grau de bacharel em Direito e, dentre outras várias opções de trabalho, pode escolher a advocacia, desde que comprove habilidades para tanto. Não há nisso nenhuma ofensa ao direito de trabalhar, à dignidade da pessoa humana etc. Se não passar no Exame, o que não faltam são alternativas de trabalho. Entretanto, em todas elas é necessário demonstrar previamente um grau mínimo de competência. Isso incomoda muita gente, o que faz com que tentem (pela lei da gravidade, por exclusão…) “conseguir” a carteira da OAB para ir “tocando” a vida. Incomoda inúmeros bacharéis que são tratados em faculdades diversas à pão-de-ló, como “adolescentes bonitinhos”, que focam na balada e não nos livros (isso quando têm livros, pois muitos “escorregam” pelo curso à base de apostilas). O nível dos cursos de graduação caiu muito, para se adaptar aos seus novos “clientes/consumidores”, na maioria, aceitos sem qualquer espécie de seleção digna desse nome. Como é politicamente incorreto e pouco lucrativo reprovar o jovem em um vestibular, joga-se para o mercado a tarefa de selecionar os capazes. Tanto isso é verdade que, agora, nos cursos de Direito estão implantando a disciplina de Português, para amenizar as barbaridades escritas nas provas da OAB (a divulgação do que é posto em muitas provas, se não fosse proibida, deixaria a população, especificamente, os “papais pagantes”, de cabelo em pé). Na minha opinião, o problema atual é que existem inúmeras “fábricas de bacharéis” despreparados. Isso é que deveria ser combatido, mas não é, porque é cômodo entrar em uma faculdade, qualquer que seja o curso, sem o inconveniente de estudar para um vestibular. É cômodo dizer que o “filhão” é aluno disto ou daquilo (ser alundo de Direito, impressiona mais… ainda). Nestas “fábricas”, pululam professores despreparados, alunos desinteressados (ou, pior, interessados, mas sem condições de assimilar o conteúdo dado), coordenadores de departamento ansiosos em manter seus “clientes” sempre felizes etc. O resultado é que se empurra, como é a praxe nesse País, a “bomba” para frente, sempre mais para frente um pouquinho, até estourar e todos ficarem muito indignados por ver seus rebentos tão promissores patinando no exame, chorosos. Aliás, é bom que se diga de passagem que, dentre os vários concursos da área jurídica que podem realmente assegurar um futuro consistente (magistratura, ministério público, advocacia pública…), o exame da OAB é o mais fácil. Não há “céu de brigadeiro” e futuro garantido de antemão na área jurídica, que sempre foi e sempre será extremamente competitiva. Se alguém quer, de verdade, conseguir alguma coisa neste meio, além daquilo que “painho/mainha” já costuma dar, tem que estudar muito (de preferência, por livros), muito mesmo, inclusive nos horários em que o “Shock Bar” e o “Seis em Ponto” costumam estar “bombando”. Se cursinhos de todos os tipos proliferam e ganham muito dinheiro, é porque há um imenso público de bacharéis despreparados para a vida profissional rodando por aí, que sentam em suas cadeiras, semestre após semestre, ansiosos por aprender os conceitos básicos da área, que deveriam ter aprendido lá atrás, nos tempos da graduação. Este País está acostumando uma geração inteira a ter tudo nas mãos, sempre que fizer “biquinho”, um “tudo”, inclusive, que costuma ser dado pelo Estado na base das “canetadas redentoras”. A OAB faz muito bem em manter o seu exame. Se, mesmo com ele, existem, por todos os cantos, toneladas de advogados incompetentes, que fazem os maiores desatinos com os direitos dos pobres desavisados que se impressionam com a marca de suas gravatas e de seus “4 x 4”, imaginem o que aconteceria se fosse extinto, por ser, digamos, algo desagradável.

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